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Julgamento da desregulamentação da profissão de artista, técnico e músico deixa pauta do STF

Artistas, músicos e técnicos em espetáculos se organizaram e se mobilizaram, nas últimas semanas, em eventos, encontros e nos diversos veículos da imprensa tradicional e virtual contra uma possível queda da obrigatoriedade do diploma ou certificado de capacitação para o exercício das profissões de artista e técnico em espetáculos e diversões (DRT). E essa intensa mobilização da classe artística brasileira, ao que parece, alcançou um primeiro resultado favorável às reivindicações da classe: a votação das APDFs (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 183 e 293, que aconteceria no dia 26 de abril deste ano, no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, foi adiada e, segundo a assessoria de imprensa do STF, não existe previsão de quando e nem se irá acontecer.

A ação judicial foi publicada em 2013 e as APDFs pleiteadas pela então Procuradora Geral da República (PGR), Helenita Acioli, e colocadas em pauta pela ministra e atual presidenta do Supremo, Cármem Lúcia. De acordo com a petição, o registro criaria requisitos que impediriam a livre manifestação artística de quem não possuísse o documento, “sob o

pretexto de resguardar direitos e interesses gerais da sociedade, a regulamentação da profissão acabou por retirar da arte aquilo que lhe é peculiar: sua liberdade".

Para a PGR, segundo nota divulgada em seu site, a Lei nº 6.533/1978 e o Decreto nº 82.385/1978 (que regulamentam as duas profissões) são “flagrantemente incompatíveis com a liberdade de expressão da atividade artística, com a liberdade profissional e com o pleno exercício dos direitos culturais, porque em uma democracia constitucional não cabe ao Estado policiar a arte, nem existe justificativa legítima que ampare a imposição de requisitos de capacitação para o desempenho da profissão relacionada à arte cênica”.

O ministro da Cultura, Sergio Sá Leitão, teve um encontro com a presidenta do STF, na semana anterior ao adiamento da votação para discutir o caso. O ministro também se encontrou com diversos representantes da classe, em São Paulo, e declarou seu apoio à causa: "A exigência de registro para o exercício profissional de atividades artísticas é importante não só para garantir a qualidade da produção, mas, principalmente, permitir que os profissionais da cultura tenham seus direitos garantidos". Para o ministro da Cultura, a ação não se justifica, não tem base legal. No início do mês ele já sinalizava que pediria adiamento da análise da ação pelo STF e a inclusão do Ministério da Cultura como parte para que o mesmo seja ouvido e possa se pronunciar. Para Leitão, o exercício da profissão de artista exige formação, dedicação e competência específica. Após a votação da ADPF 293 ter sido adiada, o ministro da Cultura postou em suas redes sociais que o julgamento do registro de artista (DRT) foi excluído do calendário pela presidenta do Supremo, Cármen Lúcia.


Mais ataques contra os direitos conquistados



A maioria da classe artística avalia que a aprovação das APDFs seria um grande retrocesso. Se forem acatadas as ADPFs, extingue-se o registro profissional de artistas, músicos e técnicos e as profissões serão desregulamentadas. Para especialistas em cultura e arte, a Lei nº 6.533 não abrange todas as relações de trabalho artístico de hoje. Atualização feita em 1978 também não ajuda porque foi criada em um momento específico da história: durante uma ditadura militar. Esse é um ataque das entidades institucionais e judiciais, visando retirar direitos já conquistados anteriormente. Vale a pena ressaltar, ainda, o grave “erro” de se confundir manifestação artística com trabalho artístico, que são conceitos completamente diferentes.

O impacto maior, caso essas ADPFs sejam votadas e aprovadas, será para os artistas, músicos e técnicos que trabalham em grandes corporações. Muitos deles já prestam serviço com certa informalidade e, mesmo com o registro, pagam previdência privada ou se tornam Micro Empreendedor Individual (MEI). A maioria dos artistas cênicos acaba criando formas de sobrevivência por meio de coletivos e arranjos produtivos para viver para a arte e sobreviver dela, convivendo em um ambiente de precariedade, sem políticas públicas que protejam todo o trabalho artístico. Mas isso não é motivo para que a lei não exista.

O Atestado de Capacitação Profissional, emitido pela Delegacia Regional do Trabalho, foi uma conquista da classe artística em 1978, com a Lei nº 6.533/78, que reconheceu legalmente a profissão do artista, assim como a profissão de músico, reconhecida pela Lei 3.857/60. Além do acesso a benefícios da previdência (como aposentadori

doença e maternidade), o registro profissional corroborou também no reconhecimento social do trabalho de artistas e técnicos.


Uma questão artística, mas também técnica



E a questão aqui não é somente artística, mas é também técnica. O trabalho dos técnicos precisa ser bem discutido, principalmente no caso dos técnicos de luz e de som que têm registro profissional próprio, dificultando que pessoas sem nenhuma experiência nessa atividade venham a provocar ou sofrer graves acidentes em espetáculos e no meio teatral.

A não obrigatoriedade do registro desqualifica o investimento em formação profissional e desconsidera os sindicatos como forma de representatividade dos artistas, prejudicando a classe em relação à maior garantia de espaços de trabalho e aos direitos já conquistados pelos profissionais dessa área. O grande prejuízo é referente ao entendimento sobre o trabalhador artista que, diferente de outras categorias que possuem o reconhecimento da sociedade civil e do Estado, sofre um processo em que o ofício, já fragilizado pelo tímido mercado das artes no Brasil, é agora colocado em xeque, sem um diálogo mais profundo com quem é diretamente afetado por essas normativas judiciárias. O registro é necessário para assegurar o acesso aos direitos e benefícios sociais. Uma ação unilateral não pode e não deve atacar e prejudicar o modo de se fazer arte, principalmente a arte no Brasil, que precisa de mais garantias de sobrevivência e mais incentivos.

O que estamos debatendo, na verdade, não é a liberdade de expressão artística simplesmente, mas a defesa intransigente das relações de trabalho de toda uma classe trabalhadora, a classe dos artistas, músicos e técnicos em espetáculos.

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