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Desregulamentação das profissões de ator e músico

Está em andamento para ser julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) mais um ataque judicial contra a classe trabalhadora brasileira. Uma ação, de natureza constitucional, pretende definir critérios de desregulamentação das diversas profissões vinculadas ao setor artístico e cultural. Duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), as ADPFs 183 e 293, propõem a extinção da necessidade de Registro Profissional (DRT) para que artistas e técnicos em espetáculos exerçam suas atividades profissionais, vulnerabilizando ainda mais artistas e técnicos e precarizando enormemente as relações de trabalho no setor.

A longa busca da classe artística pelo registro profissional, iniciada ainda nos anos 1940 pelos artistas da geração de Procópio Ferreira (1898-1979), (Jorge Ângelo) Labanca (1913-1988), Sadi Cabral (1906-1986), Dulcina de Moraes (1908-1996), Maria Della Costa (1926-2015), Fernanda Montenegro, entre outros fenômenos do teatro brasileiro, parecia ter seu drama encerrado em maio de 1978, quando a sanção da Lei nº 6.533 estendeu as garantias trabalhistas às atividades ligadas às artes cênicas.

Porém, esse folhetim dramático veio a ganhar novos capítulos em 2013, quando a Procuradoria Geral da República (PGR) decidiu questionar a legislação, alegando sua incompatibilidade com a liberdade de expressão inerente às artes.

Tal questionamento atingiu, inclusive, a classe dos músicos, cuja profissionalização, assegurada desde 1960, pela Lei nº 3.857, também entrou na mira da PGR.

A profissão “Artista” se encontra regulamentada por lei que dispõe sobre as profissões de artista e de técnico em espetáculos de diversões.

De acordo com o Art. 2º, segue o conceito de artista: “Artista, o profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer natureza, para efeito de exibição ou divulgação pública, através de meios de comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversão pública”.

Para o exercício da atividade artística, portanto, não basta somente o desejo: é necessário que se tenha um registro, o DRT. No Art. 6º temos: “O exercício das profissões de Artista e de Técnico em espetáculos de Diversões requer prévio registro na Delegacia Regional do Trabalho do ministério do Trabalho, o qual terá validade em todo o território nacional”.


 Desregulamentação e a suposta liberdade de expressão 


A atual polêmica surge de uma alegação da PGR, de que estas leis seriam inconstitucionais, visto que exigem “diploma ou atestado para a profissionalização de artistas e técnicos” e estariam em discordância seus artigos 5, inciso IX e 215, que dizem respeito, respectivamente, da ‘liberdade de expressão artística’ e dos ‘direitos culturais’ de todos os cidadãos brasileiros. No entendimento da Procuradoria Geral da República, as atividades de artistas, técnicos em espetáculos e músicos não se tratam de uma profissão, mas de uma “livre manifestação artística” e, como tal, essas atividades, por “não apresentarem risco social, devem ser livres de qualquer exigência de qualificação profissional”.

Entretanto, para a maioria dos artistas, técnicos e músicos, o fator da qualificação profissional para a obtenção da DRT não cerceia a liberdade de expressão. Os artistas, de maneira geral, prezam esse registro, apelidado de DRT, mas que, na verdade, se chama “Atestado de Capacitação Profissional” e é emitido pela Delegacia Regional do Trabalho (DRT). Todas as 23 entidades brasileiras responsáveis pela representatividade artística sob a égide dessa legislação estão muito preocupados com o resultado da votação no STF. As APDFs confundem liberdade de expressão artística com exercício da profissão de artista. A regulamentação trabalhista da Lei 6533/78 diz respeito apenas às situações em que esta atividade toma a forma de profissão, envolvendo relações patronais e o uso da mão de obra artística para fins comerciais. Fora isso, todos estão livres para se expressar.

A suspenção do Registro Profissional (DRT) de artistas, músicos e técnicos, ao contrário do que afirmam as APDFs, representam um ataque aos direitos culturais dos brasileiros e confirmam, na prática, a total desregulamentação da atividade artística, enfraquecendo as relações trabalhistas desse setor para dificultar ainda mais o já precário acesso aos benefícios sociais e cidadãos como auxílio-doença, licença-maternidade, seguro-desemprego e aposentadorias, entre outros.


 A classe artística unida contra a desregulamentação 


Um enorme movimento envolvendo artistas, músicos, técnicos de teatro e realizadores culturais vem engrossando cada vez mais o coro de vozes que contestam a ação da PGR que pretende extinguir o registro profissional de artista. Nas redes sociais a hashtag “#profissaoartista” ganhou milhares de adeptos entre artistas e músicos, famosos ou não, técnicos e pessoas comuns solidárias com a classe artística, ficando entre as mais vistas e acessadas do período. Um elenco de peso se juntou para gravar vídeos de protesto. Os atores Herson Capri, Drica Moraes, Guta Stresser e Débora Falabella fizeram gravações veiculadas em diversos canais da internet. Os espaços virtuais como Facebook, Instagram e Twitter veicularam massivamente esse burburinho. Bibi Ferreira, Gloria Pires, Antônio Calloni, Nanda Costa, Cristina Pompeo, Renata Sorrah, Marcos Breda, Marieta Severo, Júlia Lemmertz, Alessandra Negrini e Lúcia Veríssimo entre outros, reforçaram o imenso grupo de artistas que publicaram posts em suas contas sob a hashtag “#profissaoartista”, com fotos da carteira de trabalho e outras imagens emblemáticas. O ator, diretor e dono do teatro da cidade, em Belo Horizonte, Pedro Paulo Cava, assumiu um tom mais enérgico e de provocação ao Judiciário ao falar sobre o assunto. “Quero fazer uma provocação ao Supremo Tribunal Federal. Se é para acabar com o registro de artista, podemos acabar também com o dos advogados. Basta estudar numa faculdade qualquer de Direito, que a pessoa está pronta para trabalhar, uai!”, ironiza o artista.

É certo que o Judiciário não tem o poder de legislar ou melhorar a legislação vigente, mas apenas pretende desregulamentá-la para assim piorar ainda mais o cenário daqueles que tentam, de uma maneira ou de outra, subsistir nos diversos palcos e cenários vivendo da arte.

Num país aonde a atividade artística e cultural vem sendo constantemente cerceada e pressionada pela lógica nefasta do capitalismo, pela crueldade do marketing imperialista, pela falta de verdadeiras políticas públicas estruturantes e pela concentração de recursos nas mãos de uns poucos, de uma elite privilegiada, a desregulamentação proposta pela PGR significa um enorme retrocesso nos avanços conquistados pela classe artística e mais um severo ataque aos direitos dos trabalhadores brasileiros.


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