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Argentina e a verdade neoliberal

Por Vladimir Serge

Os recentes saques e protestos ocorridos na terra de nossos companheiros argentinos sem dúvida assustaram a imprensa burguesa. Como pode ser que nossos vizinhos tenham chegado a tal ponto? Quão bárbaros eles devem ser, destruindo propriedade alheia!

Bárbaros são os métodos imperialistas de trazer uma nação ao chão, arrasá-la completamente e, ainda, chamarem de “desenvolvimento econômico”. Que tipo de sacrifícios obscenos e pervertidos não fazem os banqueiros e os ideólogos no altar do PIB? Como se o crescimento de um número arbitrário fosse um bem eterno, em nome do falso ídolo supremo: o mercado. “Grande” é a felicidade geral: o PIB cresceu um por cento.

Para quem o PIB cresce? Por que uma nação que segue à risca as indicações do FMI, braço imperial do capital financeiro, ainda sofre duramente com escassez, crise, inflação massiva (34,4% em doze meses, segundo a imprensa burguesa) e todos os outros indícios de uma recessão geral? Será que é um defeito de aplicação, uma realidade que foge às oniscientes teorias burguesas? Não! Muito pelo contrário, é o seu funcionamento perfeito, sua lógica à todo vapor: o propósito das teorias neoliberais não é aumentar o bem-estar da população, ou mesmo crescer imensamente a economia (os tempos de keynesianismo viram graus de crescimento muito maiores); pelo contrário, seu objetivo é facilitar o máximo possível a concentração de capital nas mãos de números cada vez menores de indivíduos. Prova disso é que a organização Oxfam (uma confederação internacional que atua no combate à pobreza, desigualdades e injustiças) soltou um documento, em 2017, afirmando que oito pessoas detém a mesma quantidade de dinheiro que 50% da população mundial, o que equivale a 3,5 bilhões de pessoas.

Não é segredo algum que os últimos quarenta anos, iniciados com o 11 de setembro de Pinochet (o golpe imperialista americano de 1973 contra o governo progressista e democraticamente eleito de Salvador Allende) e com seu desenrolar mais efetivo nos governos Thatcher, no Reino Unido, e Reagan, nos Estados Unidos, foram o período de maior acumulação de capital e de formação de monopólios da história da humanidade (e, conjuntamente, de maior destruição do meio ambiente). Nunca antes na história do mundo tão poucas empresas detiveram tanto capital – ter as leis antitruste como de interesse dos burgueses é pura bobagem. A tal da competição ideal sonhada por milhares de pequeno-burgueses não passa de ideologia fajuta: o capital acumula-se melhor em condições de monopólio, que são razoavelmente inevitáveis em uma situação de “livre-mercado” idealizada, e o preço que o proletariado pagou por isso não foi baixo.

Conhecemos e lembramos bem das nossas lástimas com o neoliberalismo. Se, por algum motivo, alguém tiver esquecido, basta apontar para nossos miseráveis vizinhos. O povo argentino, tal como qualquer outro, não tem o dever de se submeter à essa tirania do mercado, à opressão dos números arbitrários e do grande capital.

“Mas isso é um choque que a economia tem de passar para ajustar o preço das coisas ao seu real valor de mercado! Infelizmente, não gostamos da situação, mas o povo terá de sofrer um pouquinho...” guincham os ideólogos burgueses sentados em seus confortáveis apartamentos de subúrbio, comendo do bom e do melhor. E se espantam com a violência: “minha gente, não façam isso! Passem fome, passem dor, morram se possível, mas não roubem jamais! Roubar é crime!”. A última vez que tanta asneira foi aceita como disciplina acadêmica foi quando o racismo era considerado teoria científica. E todos sabemos onde isso desembocou.

Aproveitando a questão do racismo, há outra informação que talvez, de tão pouco conhecida, possa ser considerada segredo de Estado em alguns círculos. O lugar mais devastado pelo neoliberalismo foi o continente africano. As malditas fotos de crianças esqueléticas passando fome na África, como se fosse a situação do continente todo e não de lugares e momentos muito específicos, são resultado das mais dramáticas experiências neoliberais e neocoloniais que o mundo já viu. Todos os massacres, todos os horrores, todas as guerras, e todos os genocídios que ocorreram na África no fim do século XX aconteceram nos países mais afetados pelo neoliberalismo, onde o Estado não aguentou o tamanho do “corte de gastos” e do “acerto de contas” e simplesmente implodiu, deixando o povo “se virar” como podia e um exército armado até os dentes sem ter quem lhe pagasse. Querem ver o livre-mercado em seu local de maior eficiência? Olhem para as minas de Katanga, na República Democrática do Congo, ou para o Sudão do Sul. O sonho burguês consiste de crianças em minas de cobre e mercenários truculentos, sádicos e mal pagos vigiando os trabalhadores.

Teoria econômica burguesa é pura ideologia – não tem conteúdo, não diz o que faz. Seu único objetivo é enriquecer burgueses já obscenamente ricos. Não devemos nos surpreender quando saques e desastres ocorrem em países de regime neoliberal, a exemplo de Porto Rico, literalmente colônia dos Estados Unidos, que foi atingida por um furacão no ano passado, causando quase três mil mortos e deixando grande parte da ilha sem luz por nove meses. Nenhum auxílio foi dado por Trump. Isso porque Porto Rico aparentemente estava muito endividada antes do furacão. E o que causou as dívidas? Políticas neoliberais! Vivemos em regime neoliberal, onde não existe garantia alguma para o povo. A única garantia é a luta e a destruição desse sistema infernal. Abaixo às mentiras burguesas, abaixo às teorias econômicas desumanas; essas de nada servem ao povo.

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