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Capital e a crise climática

Por Vladimir Serge

Vivemos em um tempo de crise.

É um grave eufemismo chamar o atual impasse ecológico de “aquecimento global”. Seria muito mais adequado denomina-lo de crise climática, desastre ecológico ou de ecocídio generalizado. A gravidade dos problemas que assombram o futuro imediato não pode ser subestimada.

Porém, uma das características do desastre iminente é, de fato, o aquecimento global. Causado pelo acúmulo de gás carbono e metano na atmosfera, é o aspecto mais conhecido do desastre climático. Poucos são os que não ouviram falar sobre esse fenômeno; mas ele parece extremamente abstrato, distante da vida diária de cada um. Que importa que o mundo esteja se tornando mais quente? Não parece tudo estar como sempre foi? Mas, na realidade, é algo extraordinário e que merece ser examinado mais de perto.

A partir do começo do processo de industrialização dos países europeus, e, portanto, do capitalismo propriamente dito, iniciou-se um processo de extração de energia a partir da fissão de combustíveis: primeiramente carvão mineral, mas também petróleo a partir da virada do século XIX. Esse processo envolve a emissão dos gases mencionados acima em grandes quantidades. Até certo ponto, isso não é um imenso problema – a atmosfera necessita desses gases em certa quantidade para que sejam mantidas as temperaturas naturais que possibilitam a manutenção da vida no mundo. A questão é que a emissão desses gases acelerou extraordinariamente ao longo dos dois últimos séculos, o que ameaça gravemente o delicado equilíbrio que torna possível a vida na terra.

Chegamos a um momento histórico. Temos de fazer algo a respeito agora, ou logo não teremos oportunidade de fazer nada. As projeções otimistas que estimam os danos para apenas depois de 2050 ou 2100 não são apenas tolas, mas também desonestas. O colapso já está começando, inclusive há estimativas que apontam que já passamos do limite e o desastre total é inevitável. De todo modo, é possível observar no cotidiano as mudanças que se aproximam de nós: dias extremamente quentes, variações de temperatura bruscas e extremas. Não há quem não diga, nas inevitáveis e desconfortáveis “conversas de elevador”, que o tempo “anda maluco”.

Mas para os cientistas que estudam o clima ele não só está “maluco”, mas completamente fora do eixo. Pela primeira vez desde que começou a ser estudada a presença de gelo no norte global, foi observado um derretimento completo do gelo na Groenlândia. As temperaturas na Sibéria estão 20° centígrados mais altas do que elas geralmente são nessa altura do ano. Os gelos “eternos” do polo norte e do polo sul estão derretendo; uma das geleiras na Antártica entrou em completo colapso recentemente, o que forçará cartógrafos a redesenhar o mapa do continente. O gelo nos picos de diversas montanhas, famosos por jamais derreterem, está desaparecendo.

A situação é muito dramática. No coração dos gelos eternos da Sibéria foram descobertos imensos bolsões de gás metano debaixo do gelo. A geada que cobre esses bolsões não é particularmente profunda, e está definitivamente ameaçada pelas mudanças que já estão acontecendo. O professor especialista no assunto, Peter Wadhams, revela que se um desses bolsões (que ao todo contêm 800 gigatoneladas de metano) expelisse a quantidade de 50 gigatoneladas (o que não é impossível) de uma vez só, as mudanças climáticas seriam tão dramáticas que é provável que a civilização humana tal como conhecemos fosse aniquilada em cinco anos.


Para além do aquecimento global



Uma infinidade de outras mudanças poderia ser citada; de todo modo, com o que já foi descrito é possível perceber a escala e a gravidade dos problemas que nos ameaçam. E o aquecimento global não é o único fenômeno desastroso que paira como uma espada de Dâmocles sobre o futuro da humanidade. Para citar dois outros aterrorizantes processos em curso temos a extinção em massa das espécies animais e vegetais e o esgotamento dos recursos naturais disponíveis para extração (sobretudo os combustíveis fósseis mencionados anteriormente).

A atual forma de cultivo vegetal depende de utilização em massa de pesticidas – que são descritos como inofensivos exceto para as pragas. Isso é falso. Eles não só são extremamente nocivos para os seres humanos (são efetivamente veneno), como também exterminam todo o tipo de animais e plantas, sobretudo insetos, e destroem a terra na qual são utilizados, tornando-a infértil. Dentre os insetos podemos destacar centralmente as abelhas, cuja população mundial caiu pela metade nos últimos cinquenta anos. Insetos como as abelhas não são meros animais que poderiam sumir sem fazer falta (como se houvesse tal espécie); eles têm um lugar central na polinização e, portanto, no crescimento das plantas. Sem elas, os ecossistemas mundiais entrarão em colapso total.

Além disso, os materiais necessários para a produção industrial estão se tornando cada vez mais escassos e cada vez mais difíceis de serem extraídos. Isso é evidente quando se trata da extração de petróleo, que depende cada vez mais de processos mais complexos e caros para ser realizada – como, por exemplo, o fracking nos EUA, que destrói completamente a natureza onde é realizado, e o pré-sal, no Brasil, que busca petróleo em reservas muito profundas no Oceano Atlântico. Será cada vez mais e mais custoso extrair tais materiais, e cada vez mais miséria isso produzirá.


Destruir o capitalismo para não destruir o mundo


Diante de um cenário tão perverso, apenas uma pergunta resta: que fazer? Muito, e o tempo é curto. Deve-se esclarecer uma coisa antes de tudo: esses processos não são místicos, inevitáveis ou misteriosos, aos quais nós possamos apenas nos submeter em um estado de medo completo. Não, eles têm um responsável: o capitalismo e aqueles que lhe comandam – a burguesia.

É ponto comum hoje em dia ver grandes empresas anunciando projetos de “consumo sustentável” e incentivo a projetos liberais de proteção ao meio ambiente como o Greenpeace e o WWF. Isso são nada mais que tramoias de marketing inventadas para que consumidores dos produtos dessas empresas se sintam melhores comprando delas, como se estivessem realizando uma boa ação comprando café no Starbucks ou algo do gênero.

Mas por detrás da ideologia burguesa de autossatisfação aparece uma verdade temível e clara: não haverá mundo se o capitalismo continuar reinando. É simplesmente impossível conciliar capitalismo com sustentabilidade, por uma razão lógica simples e evidente: o capitalismo precisa crescer para funcionar. Sem lucro uma empresa quebra, e sem crescimento ela não recebe investimentos. E esse crescimento de produção no capitalismo é exponencial: ele acumula e cresce cada vez mais, da mesma maneira que juros compostos se acumulam tornando-se impossíveis de pagar. E quanto mais o capitalismo cresce, mais rápido o planeta é devastado; a devastação anda de mãos dadas com o crescimento do PIB.

A resposta ao “que fazer?” torna-se então clara: ou a revolução, ou o fim da humanidade. Não podemos optar mais entre um mundo injusto e horrível sob o capitalismo ou um mundo justo socialista; a opção atual é a seguinte: ou um mundo justo sob o socialismo, ou mundo nenhum. Não existe outra opção. Existe um argumento indiscutível para o socialismo e ele é o desastre climático que paira sobre nós. É imperativo, é indispensável e é necessário que lutemos pelo socialismo. Se não juntarmos nossas forças e destruirmos o sistema maldito que oprime os corpos e almas de todos os condenados desse mundo, não haverá mais mundo para que seja libertado.

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