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Entrevista com o professor Luiz Júnior sobre o projeto Escola Sem Partido

O Jornal Gazeta Operária entrevistou o professor do departamento de Educação da Universidade Federal da Paraíba, Luiz de Sousa Junior, sobre o projeto “Escola Sem Partido”. Luiz Junior foi secretário municipal de educação do município de João Pessoa no período de setembro de 2012 a dezembro de 2014 e, atualmente, é coordenador-adjunto para mestrados profissionais da área de Educação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Jornal Gazeta Operária (JGO): O projeto Escola Sem Partido tem avançado nas instâncias legislativas, já sendo aprovado em algumas escolas no âmbito municipal. Quais são os riscos da aprovação de um projeto como esse?

Luiz Júnior: Os riscos são reais. Hoje, o parlamento brasileiro está tomado por uma corrente de pensamento extremamente autoritária e sem conexão com as demandas da maioria da sociedade. É um parlamento medíocre, em geral. Sob a cortina de fumaça de combate à corrupção, estão aproveitando o momento para entregar as riquezas nacionais a preço de banana, isso quando cobram algum valor, e também para aprovar a pauta conservadora de projetos como o Escola Sem Partido que, diga-se de passagem, quer impor uma escola apenas com uma ideologia: a dos populistas autoritários. Contudo, há resistências tanto nas escolas quanto em setores do judiciário. Mas nesses últimos não podemos confiar muito, pois mudam ao sabor dos ventos. Por isso, temos que centrar o debate junto à comunidade escolar: professores/as, gestores/as, pais mães de alunos/as

Jornal Gazeta Operária (JGO): Quem são os grupos por trás deste projeto?

Luiz Júnior: Setores ligados aos evangélicos fundamentalistas e setores da direita da Igreja Católica. Mas eles contam com o apoio decisivo dos ultraliberais que querem expurgar da escola qualquer pensamento crítico. Acredito que medidas como a reforma do ensino médio e a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) somam-se a esse projeto pois articulam o processo educativo do povo aos interesses do empresariado, do Estado mínimo. Assim, como eles mesmo dizem, tirar as concepções progressistas do currículo escolar também interessa ao empresariado. É uma aliança forte, envolvendo a extrema-direita, os populistas autoritários e setores do empresariado.

Jornal Gazeta Operária (JGO): Um dos motes mais veiculados na imprensa sobre o projeto Escola Sem Partido é que ela proibirá oferta com conteúdo de "gênero" ou "orientação sexual". Quais os problemas inerentes a essa proibição?

Luiz Júnior: Tanto a nossa Constituição Federal quanto à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional dispõem sobe a liberdade de ensinar e aprender e sobre a pluralidade. Qualquer medida que vise impedir a livre manifestação de qualquer cidadão ou cidadã é um atentado aos direitos essenciais do ser humano. A escola é lugar de aprendizado, não de censura. Não é à toa que a sociedade moderna se posicionou pela laicidade do Estado. Os temas a serem abordados em sala de aula não podem ser previamente censurados. Eles querem criar um Tribunal de exceção nas escolas. Implantar a “deduragem”, amedrontar os docentes. O próprio debate sobre gênero ou orientação sexual está sendo desvirtuado pelos defensores do Escola Sem Partido. Eles tentam passar a ideia que os professores/professoras querem induzir o “gênero” dos alunos/as. Nada mais falso. O que a escola não pode deixar de discutir é o respeito que qualquer um tem que ter em relação ao próximo, independentemente de sua orientação sexual, raça, cor, ideologia etc. Que os meninos não podem ver as meninas como objeto sexual. Nem os mais fortes podem pisar nos mais fracos. Isso contraria a visão dos defensores do Escola Sem Partido. Eles têm uma visão de família – que, no âmbito da vida privada constitui um direito deles de assim pensar – com o pai provedor, a mãe submissa e os filhos replicadores desse modelo, até porque a realidade mostra que a sociedade humana mudou, se complexificou. As relações sociais estão mais complexas e não dá para a escola “tapar o sol com a peneira”. Portanto, esse não é modelo único, e é isso que eles não aceitam. Eles querem impor seu modo de vida à sociedade ou impedir que se pense de forma diferente. E isso é inadmissível.

Jornal Gazeta Operária (JGO): É notório o grande apoio das bancadas evangélicas a este projeto. Porém, em seu corpo, o Escola Sem Partido nada diz respeito a laicização do ensino. Por que isso acontece?

Luiz Júnior: Eles procuram esconder seus reais interesses. O próprio nome do Projeto, Escola Sem Partido, procura associar os docentes que tem uma visão crítica de sociedade a doutrinadores partidários. Isso é uma ação de marketing. Assim como nos rótulos dos produtos alimentícios não virão a lista dos malefícios da aprovação dos 14 novos agrotóxicos que a população irá consumir daqui por diante, também não se verá, na ótica dos autores do projeto Escola Sem Partido, qualquer referência à questão da laicidade do Estado e do ensino e de outros princípios de uma educação cidadã.
Jornal Gazeta Operária (JGO): Você considera que este projeto tem relação com o movimento de precarização da educação pública, gratuita e de qualidade brasileira para a implantação de um projeto privatista?
Luiz Júnior: Não é tão simples assim. Os interesses dos populistas autoritários, neste momento se confundem com os interesses dos ultraliberais. Eles estão disputando os rumos da educação em termos de conteúdos curriculares, por assim dizer. Mas a precarização da escola vem desde o período da Ditadura Militar, quando, supostamente, a escola tinha “ordem”. O que eu digo é que como as classes médias abandonaram há tempos a escola pública (a burguesia, nem se fala), eles pouco estão se lixando para o que acontece nas escolas populares (populares no sentido de ampla participação da maioria pobre de nossa sociedade). Talvez eles avancem no sentido de buscar um mecanismo de financiamento das escolas religiosas e privadas na modelagem de voucher, com o Estado financiando as famílias e não as escolas, de modo a acirrar a competição. Este é um caminho. Mas a escola pública irá continuar existindo. Por isso, eu mantenho a confiança na mudança de rumos. Tenho participado de debates em escolas públicas e a rejeição ao projeto é muito grande, mesmo entre docentes alinhados aos grupos evangélicos defensores do projeto, pois eles conhecem seus colegas, convivem diariamente e sabem que é uma propaganda enganosa a tentativa de rotular os docentes como doutrinadores.

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