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Eleições na França: Liberté, Egalité, Fraternité?

Nas recentes eleições presidenciais na França, o regime político que estava funcionando desde o fim da Segunda Guerra Mundial foi implodido. O candidato do presidente François Hollande pelo Partido Socialista Francês (PSF), Benoit Hamon, obteve míseros 6,3% dos votos. Ele não foi apoiado por vários dos figurões do próprio Partido, como o primeiro ministro Manuel Vals, tampouco pela maior parte da ala direita.

François Fillon, o candidato do partido da direita, a UMP (União por um Movimento Popular), que mudou o nome para “Os Republicanos”, não foi para segundo turno, tendo ficado em terceiro lugar com 20% dos votos válidos.

Com 24% dos votos, o primeiro colocado nas eleições foi um candidato “artificial”, chamado Emmanuel Macron, que correu por fora dos aparatos – uma espécie de líder pessoal, um cacique sem índios. Ele teve o apoio do grande capital, dos monopólios franceses, alemães e até norte-americanos. Em segundo lugar ficou a candidata de extrema direita, da Frente Nacional, Marine Le Pen, com 21,3% dos votos. Ela irá disputar o segundo turno com Macron. O terceiro candidato mais bem votado foi o da Frente de Esquerda, aliada aos ecologistas, Jean Luc Melenchon, com 19,58%.

O abstencionismo obteve 22% dos votos, o que mostra o contínuo repúdio das massas ao regime político. O mesmo fenômeno que se observou no Brasil nas últimas eleições municipais.


Fim do bipartidarismo e reforço do fascismo



Os partidos que foram os sustentáculos do regime político nos últimos 70 anos colapsaram. Nem a direita da UMP nem os socialdemocratas do PSF foram para o segundo turno. Agora são quatro partidos que ficaram no centro do regime, com a exclusão do PSF que mantém uma base eleitoral na classe operária.

Macron, uma espécie de Marina Silva ou Ciro Gomes brasileiro, foi eleito por um partido formado na última hora, de maneira artificial, o “Em Marcha”, que não conta com nenhuma base social. O seu alicerce está nos grandes bancos e na especulação financeira. Vele destacar que ele foi um funcionário importante da família Rotschild.

A votação ficou bastante polarizada entre as principais cidades francesas, onde o vencedor foi Macron, e as pequenas cidades.

A segunda candidata mais bem votada, Le Pen, venceu em 19 mil das 35 mil cidades francesas. Importante lembrar que nas eleições regionais de 2015, o seu partido, a Frente Nacional, somente tinha vencido em seis distritos e conseguido eleger dois deputados à Assembleia Nacional.

O programa da Frente Nacional repete, de maneira disfarçada, o programa do fascismo. Para que essa política fique bastante clara basta mudar o nome “imigrante” para “judeu” e “muçulmano” para “comunista”. A burguesia imperialista ainda não embarcou de vez na política do fascismo, mas é evidente que continua reforçando-a. A eventual saída da França da União Europeia, a partir de um referendo promovido pela Frente Nacional de Le Pen, afetaria os monopólios regionais e, principalmente, os alemães, mas o reforço dos ataques contra os trabalhadores e a condução do país para uma guerra de largas proporções seria a chave para a recomposição da taxa de lucros. O efeito colateral: a aceleração do desenvolvimento das tendências revolucionárias. Por esse motivo, essa é a última carta que o grande capital em crise coloca em cena.

Em junho, acontecerão as eleições para a Assembleia Nacional. Deverão aparecer vários setores e blocos políticos que dificultarão a “governabilidade”, isso é o controle do parlamento pelo grande capital (o que equivale a dizer, mais políticos para serem comprados), mas o fato principal deverá passar pela direitização generalizada do regime político como base para atacar os trabalhadores. É o fim da pax francesa colocada em pé após a Segunda Guerra Mundial.



Atentado terrorista em Paris a serviço de quem?




Faltando apenas três dias para as eleições, um “atentado terrorista” em Paris voltou a comover a população. Nesse momento, de acordo com as pesquisas, eleições frança230% da população estava indecisa e 60% dos policiais iriam votar em Le Pen. Por conta do ocorrido, uma nova escalada da xenofobia (o ódio aos estrangeiros) tomou de conta do país, interferindo visivelmente nos resultados das eleições.

Os favoritos do complexo industrial militar, Fillon e Macron, que dariam continuidade a atual política de François Hollande (ataques contra os trabalhadores, favorecimento aos grandes especuladores, xenofobia, intervencionismo militar externo, fascistização da sociedade etc.) foram imediatamente favorecidos em cima de uma enorme campanha da imprensa imperialista. Em paralelo, a extrema direita aumentou a investida contra os imigrantes, mas ao mesmo tempo foi afetada. Em 2002, o pai de Marine Le Pen, o fundador da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen, somente passou para o segundo turno por causa do abstencionismo histórico que atingiu os 28%. Também era preciso impedir a implosão total do PSF e o repasse desses votos em massa para Malenchon que, assim, poderia ter ido para o segundo turno junto com Le Pen. Era preciso garantir, em primeiro lugar, a candidatura do garoto de Rotschild, que por baixo dos panos é apoiado até pelo próprio líder do PSF, François Hollande. Os “garotos de recados” dos monopólios reclamam a instauração de um estado abertamente policial.

Tanto a descoberta da célula “dormente” de dois terroristas em Marseille, como os ataques na Avenida Champs Elysées e o início do julgamento de 20 terroristas (também a três dias das eleições) fizeram parte dessas “coincidências” que somente podem ser explicadas por quem tem acesso aos arquivos secretos dos aparatos da repressão ou pela análise da pergunta: a serviço de quem?

Evidentemente, os atentados terroristas (todos eles pelo menos nos últimos 17 anos) sempre serviram ao grande capital em crise. Neste caso, as “coincidências” cumpriram com a função de desviar a atenção do gigantesco desemprego, da recessão industrial e da escalada da repressão: dois mil manifestantes foram presos no ano passado por causa dos protestos contra a reforma trabalhista, houve o caso de um manifestante que foi estuprado com um cassetete por um policial e está em pé o “estado de emergência”.

A crise se desenvolve na direção do “salve-se quem puder”, na tentativa desesperada de salvar os lucros da próxima implosão da União Europeia.


Uma crise capitalista de enormes proporções



O desenvolvimento da crise capitalista mundial atingiu proporções galopantes e descontroladas. Na Europa, avança o processo da deflação e do desemprego, onde a espiral recessiva somente aumenta. A economia não funciona apesar dos 80 bilhões de euros que o Banco Central Europeu repassa mensalmente para resgatar o grande capital da crise e das taxas de juros negativas. O endividamento atingiu níveis apocalípticos na tentativa de evitar as bancarrotas desde 2008. E no horizonte aparece um novo colapso capitalista de proporções ainda maiores. A crise nos países do sul da Europa é enorme e aumenta por causa da pressão da Alemanha para salvar os próprios monopólios: déficits comerciais históricos, endividamento generalizado, sistema financeiro italiano e português implodido etc.

Na França, o desemprego oficial supera os 10% da mão de obra, mas é muito maior quando são considerados os empregos precários e as pessoas que desistiram de procurar trabalho. Com o governo de Hollande, desde 2013, a situação somente se tornou ainda mais dramática. A produção de automóveis caiu pela metade, em parte devido a que algumas plantas industriais foram levadas à Espanha, onde foram impostos salários 30% menores. A dívida pública supera os 100%, acima dos 63% da Alemanha e do máximo de 60% estabelecido pela União Europeia.

A chave para o entendimento da crise capitalista na França passa pela Alemanha. A aliança franco-germana foi o principal instrumento para manter a paz (imperialista) e a estabilidade da Europa após a Segunda Guerra Mundial, fechando o desenvolvimento das tendências revolucionárias que tinham crescido exponencialmente.

A desindustrialização, o endividamento, o déficit comercial e, como consequência, o desemprego têm na base os mecanismos estruturados para favorecer, em primeiro lugar, os monopólios alemães. O parasitismo financeiro atingiu fortemente os principais bancos alemães, a começar pelo Deutsche Bank, um dos maiores do mundo, mas também aos bancos locais (“estaduais”).

A política do governo Hollande de “promover o crescimento” não teve êxito por causa das amarrações alemãs. E essa mesma política fracassada é levantada pelo candidato da esquerda burguesa, Melenchon.

A política de Macron é dar continuidade às políticas de Hollande/ Vals, mas apertando os ataques contra os trabalhadores. Para poupar 60 bilhões de euros anuais que serão repassados para os grandes bancos em crise, ele colocará mediatamente na rua ao menos 120 mil funcionários públicos; aumentará a jornada semanal que hoje é de 35 horas; reduzirá os benefícios do seguro desemprego etc.

As políticas de Le Pen, tanto para o endividamento quando para a paralisia econômica e o desemprego, somente podem ter na base o fascismo e a guerra como centro.

O candidato da direita mais clássica, Fillon, que foi o primeiro ministro do ex-presidente Nicolás Sarkozy, busca acelerar a integração com a Alemanha. O objetivo é unificar a “pujança” econômica alemã com a tecnologia e o aparato militar francês.



O acirramento da luta de classes



A saída da Grã Bretanha da União Europeia acirrará ainda mais as contradições inter imperialistas na Europa, e, de conjunto, com os Estados Unidos. A Alemanha se vê obrigada a apertar os países vizinhos para se salvar da própria crise. Mas a França volta a se colocar na situação pré Segunda Guerra Mundial: como se salvar da crise controlando o movimento operário? A fórmula colocada em pé em 1939 foi entregar o país, de maneira vergonhosa, para Hitler. Agora fica mais difícil essa saída dada a fragilidade de Angela Merkel. A desintegração da União Europeia parece inevitável. A Europa avança rapidamente para o fortalecimento dos pólos da mesma maneira que acontece em escala mundial, o que passa pelo acirramento das contradições inter imperialistas e que conduz a uma nova guerra de largas proporções para modificar a divisão do mercado mundial.

A direitização do regime político se manifesta também na direitização da esquerda integrada ao regime, que se distancia dos trabalhadores. Essa esquerda encampou a “batalha contra o terror”, da mesma maneira que o Psol o faz no Brasil.

O NPA (Novo Partido Anticapitalista) mandelista, por meio do seu candidato, Philippe Poutou, levantou a bandeira de controle fiscal e orçamentário para manter a estabilidade, usando como fórmula mágica para a saída da crise um certo “protecionismo” perante o imperialismo europeu.

A derrota do bipartidarismo francês representa também a derrota da “frente popular” como instrumento de contenção das massas. Se valendo de mecanismos extraparlamentares, a burguesia imperialista avança rapidamente na tentativa de impor regimes de cunho bonapartistas. Está colocado para o próximo período o confronto entre a classe operária e a burguesia.


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