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Bancada evangélica quer dominar debate sobre aborto e retroceder direitos

No último dia 8 de março, dia internacional da mulher, completou um ano de tramitação da ação impetrada no Supremo Tribunal Federal (STF) que pede a descriminalização do aborto, em qualquer circunstância, até a 12ª semana de gestação. Porém, em uma manobra para tentar inviabilizar o pedido, que deverá ser discutido no início de junho em audiência pública, a Bancada da Bíblia (evangélica) conseguiu aprovar quatro requerimentos, “convidando” pessoas contrárias a ação para discutir a criminalização do aborto no Congresso Nacional.

A ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 442 foi ajuizada pelo Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero) e pelo PSOL, solicitando que a Corte declare a não recepção parcial dos artigos 124 e 126 do Código Penal pela Constituição da República (artigos aprovados em 2017, conhecidos como PEC Cavalo de Tróia, que criminaliza o aborto em qualquer circunstância). A ação argumenta que a criminalização do aborto é ineficaz e que “o Estado brasileiro, em última instância, acaba sendo conivente com práticas semelhantes à tortura às quais as mulheres se submetem para interromper a gestação”. A ADPF atingiu o número de 36 entidades interessadas em apresentar posição sobre o tema, tornando-se a ação com maior número de pedidos de ingresso da história da corte. 

Diante da possibilidade de se abrir um debate em torno do tema, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), um dos principais nomes da bancada evangélica, apresentou ao Congresso um documento pedindo que sejam convidados 10 “especialistas”, todos contrários aos direitos reprodutivos. Dentre os nomes está um representante do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política; um padre chanceler da Diocese de Palmas-PR; o Presidente da Comissão Vida e Família da CNBB, Dom João Bosco; além da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, da advogada-geral da União, Grace Mendonça, e do advogado-geral do Senado, Alberto Cascais. Também chama atenção que dos dez nomes propostos pela bancada da bíblia, apenas três são mulheres. 

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara aprovou o requerimento, mas estabeleceu que deva haver participação equânime de expositores com opiniões diversas sobre o tema.

O que fica claro é que a bancada evangélica não está nenhum pouco interessada na vida, na saúde das milhares de mulheres que morrem anualmente vítimas de um aborto realizado em condições insalubres, tampouco no respeito aos direitos individuais, como o direito ao corpo. Tais “especialistas” não irão debater sobre os impactos sociais e econômicos que a proibição do aborto produz para a sociedade, com base em dados reais. Trata-se de uma questão puramente moral e religiosa, sendo que, na teoria, o Estado é laico e não poderia tomar nenhuma decisão baseada nos interesses de determinada religião.


O que acontece com a defesa da vida após o nascimento?


De acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto, publicada em 2016, 503 mil mulheres interromperam voluntariamente a gravidez no Brasil, em 2015. Desse total, apenas 1% da prática foi legal. Metade das mulheres que abortou precisou ser internada para finalizar o procedimento e, dessas, 1.664 saíram sem vida. Os dados mostram ainda que uma em cada cinco brasileiras com mais de 40 anos já se submeteu a um aborto e que essa é uma das cinco primeiras causas de mortalidade materna. Como se vê, esse é um grave problema de saúde pública, que deve ser estudado e avaliado como tal.

O golpe de Estado aplicado contra o povo brasileiro em 2016 mostra mais uma vez sua cara e anuncia para o que veio. A atual bancada que quer discutir hipocritamente a vida é o mesmo setor que defende a pena de morte, que quer a volta da escravidão com a Reforma Trabalhista e a lei da terceirização sem limites, que quer acabar com a Previdência Social, que quer acabar com o SUS e fazer a população morrer nas filas dos hospitais etc. Nesse cenário de enorme crise capitalista, querem fazer dos direitos dos trabalhadores uma moeda de troca para salvar a pele dos ricos.

A vida não está na pauta, a começar pela falta de assistência médica às mulheres que não possuem um plano de saúde adequado para a gestação e criação dos filhos. Depois vem o nível de desemprego alarmante, que coloca milhares de famílias em situação de miséria; aprovação de leis que colocam as mulheres para trabalhar em locais insalubres sem direito a licença maternidade ou saúde; congelamento dos gastos públicos em saúde e educação, etc.

Ao contrário de salvar as vidas, a PEC 181, que inviabiliza o aborto inclusive nos casos já previstos em Lei, foi adotada pela bancada conservadora em novembro de 2017, na qual todos os especialistas ouvidos eram contrários à descriminalização do aborto, de acordo com o parecer do deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM/SP). Entre eles estavam integrantes da Rede Nacional em Defesa pela Vida e da Confederação Nacional das Entidades de Família (CNEF). A medida tratava, inicialmente, do aumento da licença-maternidade para bebês prematuros, mas apresentou uma “pequena” alteração. Sem debater com a sociedade civil e passando por cima da Constituição, o trecho do parecer de Mudalen prevê uma alteração do texto constitucional para estabelecer que a vida começa na concepção, ou seja, quando o espermatozoide fecunda o óvulo. Se a emenda à Constituição for aprovada, ela pode levar a um questionamento no STF e, eventualmente, a um retrocesso para o aborto legal, previsto no Código Penal. Tal proposta teve seu texto-base aprovado em novembro, com 18 homens votando a favor e uma mulher contra. 

Apenas pessoas muito inocentes ou más intencionadas poderiam acreditar nessa farsa de defesa da vida. Essa campanha é mais uma pregação contra o direito das mulheres. O que acontece com a defesa da vida depois do nascimento? As mães terão assegurados os direitos e as condições necessárias para criar seus filhos? Serão ofertados empregos, saúde e educação pública e de qualidade, moradia, alimentação, transporte, vestimentas e tudo mais que for necessário para uma existência digna? Obvio que não. Inclusive todas as medidas que estão sendo adotadas pelos governos burgueses caminham justamente para o sentido oposto: escravizar e dizimar a população trabalhadora.

Não se pretende proteger a vida, mas modificar a legislação atual e impedir avanços e conquistas democráticas para as mulheres. Querem retirar todos os direitos femininos para que os representantes da burguesia, inclusive o Estado ditatorial presente, a serviço do imperialismo, possam dispor das vidas e dos corpos das mulheres como sua propriedade, impondo a escravidão doméstica através do confinamento da mulher no lar. 

Pelo direito ao aborto seguro!

Contra o golpe de Estado!


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