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Prisão domiciliar para presas mães, um pequeno avanço nos direitos democráticos para as mulheres

Grávida de dois meses chegou ao presídio, sangrou por sete dias sem receber socorro, dormiu no chão por várias noites, sem direito nem mesmo a água potável. Ao sentir o mau cheiro, descobriu que havia sofrido um aborto. Esse é mais um caso de desumanidade para com as mulheres encarceradas no Brasil, relatado pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), que entrou com uma ação ao STF, em maio de 2017, para que mulheres grávidas ou que tenham filhos de até 12 anos (vivendo dentro ou fora das celas) sejam transferidas para a prisão domiciliar.Po

r conta desses e de outros muitos casos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 20 de fevereiro, conceder prisão domiciliar a todas as mulheres presas preventivamente, sem julgamento, que estão grávidas ou que sejam mães de crianças de até 12 anos. A medida vale somente para as que aguardam julgamento (não foram condenadas) e não tenham cometido crimes com uso de violência ou grave ameaça. O beneficio também irá depender da análise da dependência da criança aos cuidados da mãe.

Cerca de quatro mil mulheres devem ser beneficiadas. De acordo com a decisão, os Tribunais de Justiça do país serão notificados sobre a decisão e deverão cumprir a determinação em 60 dias. Os parâmetros também deverão ser observados nas audiências de custódia.

O relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, citou dados que mostram o grande descaso com as mulheres mães, que muitas vezes se não perdem seus filhos dentro das celas, sofrem com a insalubridade no ambiente, que nem de perto é saudável para uma criança. Ainda segundo o ministro, somente 34% das prisões têm celas para gestantes, 30% possuem berçários e apenas 5% têm creche.  “Seguramente, mais de dois mil pequenos brasileirinhos estão atrás das grades com suas mães, sofrendo indevidamente contra o que dispõe a Constituição”, argumentou.


A prisão continua para os varejistas


Durante o julgamento, a DPU e entidades de defesa de direitos humanos pediram que fossem aplicadas a todas as mulheres presas no País a regra prevista no Artigo 318, do Código de Processo Penal (CPP), que determina a substituição da prisão preventiva pela domiciliar para gestantes ou mulheres com filhos de até 12 anos incompletos.

A realidade do sistema prisional no Brasil é uma só: apenas a população pobre e negra sofre com a represália do Estado, por crimes muitas vezes pequenos. Pelo menos 80% das mulheres que estão presas no Brasil são acusadas de tráfico de drogas. A grande maioria por traficar uma quantidade muito pequena de drogas, para sustentar a família.

O Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), que nos últimos 17 anos monitora a situação de mulheres presas no Brasil, juntamente com outras organizações, tem denunciado que as leis que beneficiam as mulheres presas sempre foram descumpridas. O procedimento que permite o juiz  ver a pessoa presa dentro de 24 horas, chamado de audiência de custódia, não foi o suficiente para substituir o encarceramento de mulheres grávidas ou com dependentes, por penas alternativas.Segundo a coordenadora

do Projeto Justiça Sem Muros da ONG, Raquel da Cruz Lima, os juízes trabalham com modelos pré-definidos de decisão e endurecem quando o crime é tráfico de drogas, mesmo que uma mulher reúna características para ser liberada. “Se é um caso em que a mulher tem domicílio fixo, trabalho formal, é réu primária, nunca cometeu furto, vai ser solta. Agora, se o crime é tráfico, ainda que seja primária, não soltam”.

Como se vê, a situação das detentas grávidas não é nenhuma novidade para a Justiça. No entanto, a decisão do STF foi tomada só depois de um caso que repercutiu em toda a imprensa. Contudo, mesmo esse pequeno avanço nos direitos democráticos das mulheres, o que inclusive já era previsto, está sendo fortemente atacado pela direita. Vale destacar que não se trata de nenhum “benefício” para as presas, mas apenas que sejam garantidas as condições mínimas para que a gestação possa ser levada adiante, que a criança tenha o direito de ser amamentada e que tenha o mínimo de convívio com a genitora.


Enquanto isso, o problema da superlotação continua


Ao contrário de resolver o problema da prisão, a decisão do STF, apesar de progressista, está longe de ser a solução aos maus tratos contra a população carcerária. Essa ação judicial apenas irá amenizar o problema de superlotação das celas no Brasil, de forma extremamente paliativa.

Atualmente, o país está 70% acima da capacidade prisional. O levantamento feito pelo jornal O Globo mostra que 34,4% dos presos no Brasil são provisórios; em 2017, eram 37,6%. O déficit de vagas no sistema penitenciário chega a 279 mil. “Apesar da diminuição dos presos provisórios, as prisões do Brasil seguem superlotadas. São 686,5 mil presos para uma capacidade total de 407 mil pessoas, um déficit de 279 mil vagas”.

O STF não está ao lado da população pobre apenas por ter se organizado com os direitos humanos para discutir a proposta. Essa medida não passa de uma ação paliativa para resolver temporária e parcialmente o problema de superlotação das cadeias. Porém, o argumento da direita de que por esse motivo as mães não devem ser liberadas é mais uma prova de que a bancada conservadora, que fala em uma suposta “defesa da vida” nos casos de aborto, não está nem um pouco preocupada com a vida das mulheres e das crianças. Querem tratar seres humanos pior que animais.

Ou seja, o Estado deve obrigar as mulheres a levar adiante uma gravidez indesejada, inclusive em casos de estupro, mesmo que o Estado não ofereça as condições mínimas para criar esse filho como, por exemplo, escola, saúde, moradia etc. No entanto, no caso das mulheres grávidas, que querem ter os filhos, essa criança não pode ter seu direito à vida garantido.

Um estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostrou que uma em cada três mulheres grávidas em presídios do país foi obrigada a usar algemas na internação para o parto, e mais da metade teve menos consultas de pré-natal do que o recomendado. “O acesso à assistência pré-natal foi inadequado para 36% das mães. Durante o período de hospitalização, 15% afirmaram ter sofrido algum tipo de violência, seja verbal, psicológica ou física (...). 32% das grávidas presas não fizeram teste de sífilis e 4,6% das crianças nasceram com a forma congênita da doença. Foram ouvidas 241 mães, sendo que 45% delas têm menos de 25 anos, 57% são de cor parda e 53% têm menos de oito anos de estudo”.

Os presídios no Brasil são verdadeiros campos de concentração que legitimam o genocídio da classe trabalhadora. Os presos estão sob a custódia do Estado, que é quem promove as prisões. Logo, seria seu dever cuidar e zelar pela integridade física dos detentos e, no caso das mulheres grávidas, da gestão. O fato é que o Estado capitalista não tem condições de resolver a base material do problema carcerário, que passa por empregos de qualidade, saúde e educação públicas, creches, lazer, integração dos bairros pobres, obras de infraestrutura etc. É preciso constituir um amplo programa de geração de empregos, de investimentos públicos sociais em saúde, educação, lazer etc. Isso sem falar na liberação das drogas, hoje um comércio extremamente lucrativo para os capitalistas.


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