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Benefícios e limites da representatividade negra

É de conhecimento comum que pessoas negras têm uma limitada representatividade nos mecanismos midiáticos de entretinimento capitalista. Seja nos cinemas, séries ou telenovelas, o negro quase sempre aparece em posição subalterna, inferiorizada. Isso ocorre tanto nas produções internacionais, quanto nas nacionais. Nas telenovelas brasileiras, o negro tem poucas opções: se for em produção de época, aparece como escravizado; se for em produção atual, como bandido ou empregados domésticos. Poucos são os âncoras dos jornais, os heróis de gibi, os protagonistas dos filmes e novelas que têm a pele negra.

O ano de 2018, porém, já nos trouxe uma grande novidade. Produzido pela Marvel Studios e distribuído pela Walt Disney Studios Motion Pictures, o filme Pantera Negra se tornou um sucesso imediato, já ultrapassando a marca de US$ 1 bilhão na bilheteria mundial. Dentre os 18 filmes de super heróis da Marvel, apenas “Vingadores”; “Vingadores: A Era de Ultron”; “Homem de Ferro 3” e “Capitão América: Guerra Civil” alcançaram esta marca.

Tendo Chadwick Boseman como protagonista, o filme se passa em um reino fantasioso, chamado Wakanda. Tal reino havia se beneficiado por um elemento caído do espaço, um meteoro chamado “vibranium”. Tendo este elemento se impregnado no solo de Wakanda, algumas ervas que ali nasciam davam a quem as comia poderes sobre-humanos. Os “wakandianos” usavam o “vibranium” para desenvolver tecnologia avançada e isolar-se do mundo. Por esse isolamento, o restante do planeta achava que “Wakanda” era uma nação do Terceiro Mundo, assim como o restante da África. A partir daí se desenvolve uma trama, que abarca questões como a de colocar esse desenvolvimento tecnológico em benefício de toda a África, valorização da diversidade, colonização e descolonização do continente africano, combate ao preconceito racial etc., embora tenha cometido algumas “escorregadas”, como chamar as organizações políticas africanas de tribos, termo demasiadamente preconceituoso e que premedita inferioridade perante outras formas de organização.



Importância de ser representado



A existência do filme “Pantera Negra” é extremamente salutar. Trouxe ao universo majoritariamente branco do cinema um protagonista negro, mesma cor de todos os personagens principais. Retirou a África de um lugar onde impera a fome, a doença, a degeneração humana e, quando muito, os safaris, e a colocou como centro do desenvolvimento tecnológico do mundo.

Por isso mesmo, a recepção por telespectadores negros foi extremamente positiva. Os “rolezinhos”, em que jovens negros e de periferia se organizavam para ir aos shoppings centers das zonas mais ricas para passear, estiveram de volta, agora com o objetivo de assistir ao filme. Foi o caso do estudante Lucas Adeniran, que afirmou: “desde criança nunca vi um herói negro, uma heroína negra. Nunca me senti representado. Hoje estou muito feliz e penso nas crianças que vão se sentir representadas”.

Entre os africanos, o filme também gerou entusiasmo. Por todo o continente, as salas de cinema ficaram lotadas. Conforme destacou o ator queniano, Moses Odua, “é uma declaração muito importante para o mundo que o estúdio Marvel pode fazer um filme totalmente baseado em personagens africanos. Isto é muito bom, vai nos afastar de alguns estereótipos sobre os africanos”. O entusiasmo foi sentido pelos próprios atores, como Sope Aluko, uma das cinco nigerianas do elenco. Ela afirmou que “quando rodávamos, sabíamos de nossa responsabilidade para com a África e para com a comunidade negra em geral. Mas não esperava isto nem de longe, todo o entusiasmo da comunidade negra”.

Além disso, o fato de a produção cinematográfica ter incomodado muita gente mostra que o objetivo foi alcançado. Várias reações negativas vieram da “Alt-Right” estadunidense, grupos de direita que se dizem modernos, que tentaram derrubar a avaliação de “Pantera Negra” no site “Rotten Tomatoes”, onde se faz um ranking dos melhores filmes, segundo a avaliação da crítica e do público. Não deu certo. Estes grupos já haviam tentado fazer o mesmo com o filme “Star Wars: O Último Jedi”, pelo motivo de um dos protagonistas também ser negro e a heroína uma mulher. Mesmo com o ataque cibernético, “Pantera Negra” foi um sucesso absoluto de bilheterias e as avaliações no site permanecem sendo muito altas.

Também estão sendo feitas críticas pelo fato de uma nação imaginária africana, Wakanda, esconder tecnologia avançada do resto do mundo para evitar a cobiça mundial. Como se não fosse exatamente a cobiça imperialista que tivesse levado a África ao cenário que se encontra hoje.  Ainda há também aqueles que afirmam que “Wakanda” não é democracia, sendo mais parecido com uma monarquia absolutista. Esquecem que no mundo dos super-heróis da Marvel ou DC, os super-heróis geralmente vivem em uma monarquia. Se a existência de “Wakanda” é tão irreal assim, o que dizer de “Kripton”, planeta do Superman?  Da “Valhala”, morada dos deuses nórdicos de onde vem Thor? Para estes racistas, ao que parece, a fantasia deveria ser um local privado para os brancos.



Muito longe do fim do racismo



Porém, por mais que a representatividade dos negros nos cinemas burgueses tenha sua relevância, isso traz pouca ou nenhuma mudança ao grosso da população negra. Tudo que o filme “Pantera Negra” trouxe é imaginário. A realidade capitalista é cruel: não existe desenvolvimento tecnológico à frente do restante do mundo na África e os negros continuam sendo a parcela da população mais explorada no mundo.

Desde o surgimento do capitalismo, com as grandes navegações, sua intenção para com a população negra era bem determinada. Primeiro, a escravidão, que arrancou milhões de pessoas da África, retirando sua condição humana e os colocando para trabalhar nas lavouras africanas. Depois, com a abolição da escravidão e sob a égide do racismo, colocou-os às margens da sociedade, transformando-os em um exército de pessoas de onde a extração de mais valia ainda era maior que a média do restante do proletariado.

A existência de um super herói negro apenas coloca em questão que o negro pode e deve ser melhor representado. Porém, não acaba com a dura realidade vivida pelo povo negro. No Brasil, por exemplo, a pobreza, marginalização, fome e a privação da liberdade ainda tem uma clara dimensão racial.  E não será um filme produzido pelo principal mecanismo de reprodução cinematográfica burguesa que retirará isso da ordem do dia.

Se for para nos mobilizarmos em torno de alguma produção recente dos Estados Unidos, que reivindiquemos a memória e a luta não de um pantera negra, mas sim dos panteras negras, organização política que, baseando-se nos preceitos marxistas, ocuparam posição de destaque na vanguarda da luta contra o racismo nos EUA, pretendendo implodir o capitalismo e implantar o socialismo. Afinal, apenas com o fim do capitalismo é que a base material do racismo será cessada. 


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