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Direita quer criminalizar mulheres por denúncia de estupro

Causou polêmica e debate a veiculação da notícia de um projeto de lei no qual a "falsa acusação de estupro pode se tornar crime hediondo". O projeto chegou à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado e tramita como “Sugestão Legislativa 7/2017”. De acordo com o "autor" do projeto de lei, os homens são vítimas de "falsa acusação de estupro" e tem suas vidas "hediondamente" arrasadas com a perda de emprego, linchamento, prisões injustas e isso também causa insegurança nos demais homens a respeito de suas próprias posturas nas relações íntimas com representantes mais politizadas do gênero feminino. A aberração é tamanha, que os “mentores” da proposta afirmam que "80% das acusações de estupro são falsas, por isso não são comprovadas por exames e não há prisão dos acusados": vale destacar que nenhuma pesquisa foi apresentada para “comprovar” tal informação.

A medida é mais uma forma te aterrorizar, constranger e impedir que as mulheres denunciem os casos de estupro. Segundo a pesquisa “Estupro no Brasil: uma radiografia”, elaborada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgada em 2016, estima-se que a cada 1 minuto, 11 mulheres são estupradas e que apenas 10% dos casos chegam até a delegacia. Ou seja, nove em cada dez mulheres vítimas de violência sexual acabam por não levar o caso até a polícia. Como fica evidente, a esmagadora maioria das vítimas se nega a prestar queixa contra seus agressores por inúmeros motivos: seja porque mais de 70% dos estupradores são parentes ou conhecidos da vítima ou ainda porque há toda uma campanha de criminalização contra as mulheres que denunciam, inclusive nas delegacias que deveriam dar assistências às vítimas. 

Ou seja, há toda uma pressão social, inclusive institucionalizada, que impede as vítimas de denunciarem seus agressores. Propor uma medida que torne crime hediondo a “falsa” acusação de estupro é uma forma de aumentar ainda mais essa pressão e de silenciar as vítimas uma vez por todas. Quem já tinha medo de prestar queixa, inclusive porque o estupro é, na maioria dos casos, precedido ou seguido de ameaças, constrangimento, privações econômicas e assédio sexual, verbal e psicológico, se sentirá ainda mais desmotivada e aterrorizada com a ideia de ser presa. Não é nenhuma raridade, muito pelo contrário, são constante os casos em que as vítimas são transformadas em culpadas pelo estupro, seja por causa da "roupa curta", pela " embriaguez em festas", "horário de andar em certos lugares", por “provocar os homens” etc. Isso sem falar nos casos em que os maridos estupram suas esposas e não podem ser questionados porque “é direito do homem fazer sexo com sua mulher”, independente de ela querer ou não.


Por que apenas a falsa acusação de estupro deve se tornar crime hediondo?


Chama atenção o fato de que a lei já resguarda as vítimas de falsas acusações. O Código Penal já pune a denúncia falsa de qualquer crime com até oito anos de reclusão. Por que criar uma lei específica para punir as mulheres, especificamente no caso do estupro? Ou ainda: por que a denúncia do crime de estupro seria mais grave do que crimes como, por exemplo, roubo, furto, homicídio etc.? É preciso destacar que em virtude da enorme campanha machista, um a cada três brasileiros culpam as mulheres vítimas de estupro pela violência sofrida, conforme informou uma publicação da Datafolha realizada em setembro de 2016. Outro dado alarmante é que a violência sexual, principalmente o temor de ser estuprada, está dentre as situações mais temidas pelas mulheres: 85% têm medo de sofrer alguma violência sexual. Esse número chega a 90% no Nordeste. 

É no mínimo estranho que o estupro, o principal temor das mulheres e um dos crimes mais cometidos, tenha uma lei específica para punir da forma mais dura as denúncias. O esperado de um Estado democrático de direito é que fossem criados mecanismos para estimular e garantir às mulheres o direito de denunciar seus agressores e não transformá-las em criminosas por isso. 

Não por acaso, o estupro ainda é considerado apenas a "penetração vaginal" e raramente "anal" com uso de grande força física. Para “comprovar” o que aconteceu, seria preciso a existência de marcas de grande violência física seguida de penetração vaginal/anal com lesão íntima aparente. Sem essas “provas” a implicação seria de que as mulheres estariam inventando que foram abusadas sexualmente, sendo que, como já foi dito, a grande maioria dos estupros acontecem dentro de casa (parentes e pessoas próximas), ou seja, sem esse “estereótipo" de violência sexual. Isso sem falar no fato de que a vítima de estupro é humilhada pelos agentes policiais quando vai fazer a denúncia e quando vai realizar os exames em que se recolhem as "marcas visíveis" do estupro, além da demora absurda na tramitação do processo judicial contra o estuprador e o curto período de reclusão do estuprador que volta para casa e reinicia os estupros com mais violência, agora, disfarçada.

Se por um lado as mulheres que denunciam estão sendo atacadas, por outro está a tentativa de abrandar as penas contra os estupradores. O projeto do deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG) é de diminuir de 1/6 a 2/3 a pena para o crime de estupro de vulnerável (cometido contra menores de 14 anos) quando o ato não envolver penetração ou sexo oral. O Código Penal estabelece, desde 2009, como crime de estupro vulnerável qualquer ato libidinoso, com ou sem penetração, contra menores de 14 anos ou contra alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato ou, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Os setores mais direitistas e fascistas estão aumentando a pressão e a ofensiva contra os trabalhadores. As mulheres, por representarem mais da metade da população, estão na linha de frente desses ataques. É preciso organizar uma ampla resistência contra todas as investidas da direita contra a população pobre.


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