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Quando a maternidade vira crime

Em mais um atentado violento contra as mães pobres, mulheres usuárias de drogas estão tendo suas crianças arrancadas dos seus braços, ainda na maternidades, logo após o parto. Uma espécie de “roubo” legalizado. Os bebês são retirados de suas mães biológicas por recomendação das promotorias de Justiça da Infância e da Juventude, sem qualquer comprovação das condições da mãe. Não só isso. As guardas dessas crianças sequer vão para as famílias. Parte dos filhos de viciados em crack é retirada dos pais e encaminhada para abrigos, onde esperam adoção ou ficam até os 18 anos.

Assim como o problema do aborto e do uso das drogas, a questão da maternidade de usuárias de substâncias ilícitas deveria ser tratada como de saúde pública e não como uma questão criminal.

Quando a mãe chega ao hospital, se o médico desconfiar que ela possa ser uma possível usuária de drogas, seu bebê já é encaminhado ao Conselho correspondente e em 80% dos casos as mães perdem a guarda provisória dos filhos. Se for julgada e o uso de drogas comprovado, a mãe pode perder permanentemente a guarda da criança. 

Desembargadores da Vara da Infância alegam que muitas vezes a gravidez não é planejada ou desejada e usam esse argumento para que, de forma inconstitucional e totalmente violenta, a criança seja retirada de sua mãe. Na maioria dos casos sem que haja vaga nos abrigos para as crianças. Chama ainda mais atenção o fato de que a família, pais e avôs, sequer sejam consultados sobre a vontade de ficar com essas crianças, o que mostra que a medida em nada tem a ver com o suposto bem-estar dos bebês. 

Há muitas divergências no meio médico e legal sobre as medidas de separação entre mães e filhos. No entanto, no caso desse afastamento acontecer sem que haja a necessidade de comprovação do estado de vulnerabilidade da mãe, não se trata de “visões divergentes”, mas, sim, de arbitrariedade. 

De acordo com o médico psiquiatra, Dartiu Xavier, essa não passa de uma medida preconceituosa, pois as mulheres em estado de dependência química não podem ser tratadas como criminosas. Segundo ele, o argumento do vício em crack é usado indevidamente, já que se trata de uma questão de pobreza. Mulheres de classe média não são submetidas a esse procedimento, mesmo que elas sejam “viciadas”. Ele ainda aponta que não há evidências científicas de que o crack e a cocaína causam danos cerebrais ao feto, como acontece com o álcool, por exemplo.


O Estado burguês contra as mulheres


O atendimento público às mulheres usuárias de crack é quase nulo em todo o País. Em 2014, a cidade de São Paulo possuía apenas 25 vagas para o atendimento das mulheres gravidas usuárias de crack. No estado do Rio de Janeiro, o programa que atendia os usuários de drogas foi extinto e não renovado desde que Marcelo Crivella (PRB) assumiu a prefeitura da capital.

Nos casos em que as mulheres resolvem “se livrar” do vício e reverter o problema, não encontram um sistema de saúde onde possam se apoiar. O que as colocam de volta nas ruas, em situações suscetíveis de violência.

Ou seja, se o objetivo da medida foi cuidar e promover o bem estar social dessas crianças, a primeira medida a ser tomada deveria ser a oferta de tratamento digno e gratuito para as usuárias de drogas, que desse as condições necessárias para que essas pessoas pudessem se tratar e criar seus filhos. 

Já as creches não possuem sequer vagas suficientes para a demanda das mães trabalhadoras. Nas principais capitais, conseguem atender apenas 15% do total das crianças retiradas das mães. 

Se a decisão do Estado é de que os bebês sejam retirados de suas mães e levados aos cuidados de creches públicas, e essas mesmas não possuem vagas, há uma questão mais perniciosa ainda: para onde é que essas crianças estão sendo levadas? Com quais justificativas?


O problema não é o crack

 

As evidências apontam que o problema real não é o crack, mas as condições econômicas da mulher usuária. Quem possui dinheiro está em boas clínicas, sobcracolandia os cuidados médicos ou da família. No caso das mulheres mais pobres, que estão em situação de moradoras de rua, elas estão suscetíveis a todos os problemas e doenças que possam causar tais condições de vida. 

Segundo pesquisa divulgada pela Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo, as mulheres são mais vulneráveis do que os homens na Cracolândia: chegam com os laços sociais e familiares rompidos e, por isso, têm mais dificuldade em procurar e receber ajuda. As mulheres também estão mais expostas à violência - e ao domínio de traficantes - porque constantemente o corpo feminino é visto como “moeda” de troca por drogas.

Esse mesmo levantamento, feito pela prefeitura de São Paulo, indicou que 44% das mulheres que viviam na região da Cracolândia tinham histórico de abuso físico ou sexual na infância; 70% declararam já terem sido vítimas de violência no local.

A origem dessas mulheres dificulta uma possível saída da vida nas drogas: apenas 56% são de São Paulo e região metropolitana. Outras 19% declararam vir do interior paulista, 21% de outros estado e 2% de outros países.

O aborto é proibido, a educação sexual uma falácia e o atendimento médico quase não existe. Para resolver este problema de ausência de assistência, o Estado monta um aparato policial que reprime e criminaliza ainda mais as mulheres pobres. O conservadorismo hipócrita que acompanha a atual crise (sem precedentes) do capitalismo recai de forma mais cruel sobre as mulheres, metade da classe trabalhadora, que está prestes a perder todos os direitos conquistados, inclusive do da maternidade plena.


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