Dando continuidade à pesquisa feita sobre o “Rock e os direitos civis”, publicamos nessa edição a segunda parte do texto desenvolvido pelo ativista cultural, Raimundo Costa.
A “Tropicália”, o Rock e a Música Popular Brasileira
Nesse turbilhão cultural o artista plástico brasileiro, Hélio Oiticica foi convidado para realizar uma exposição em Londres em 1965, considerada a Capital mundial do rock naquela época, por abrigar bandas que se inspiraram no blues americano, uma das vertentes que originou o rock. O nome da exposição “Tropicália”contribuiu para mudança de valores estéticos culturais no Brasil, com forte inspiração em Caetano Veloso e Gilberto Gil, responsáveis pela transformação comportamental da juventude brasileira, com incorporação à tradicional música popular brasileira de elementos do rock que iam além da “Jovem-Guarda”, que, ao invés de ser desprezada foi incorporada com outros elementos musicais que vinham sendo desprezados pela juventude.
Caso típico pode ser conferido na conhecida “marcha contra a guitarra elétrica”, um ato “cívico” ocorrido em 17 de julho de 1967, em São Paulo, no tradicional Largo São Francisco, “em defesa da música popular brasileira”, liderada por músicos como Jair Rodrigues, Geraldo Vandré, Edu Lobo e Elis Regina, que, na verdade, tinha por trás interesses da TV Record, para promover o programa musical “O fino da Bossa”, estrelado por Elis Regina e Jair Rodrigues, que estava perdendo espaço para o programa musical televisivo Jovem Guarda, da mesma emissora – entre 1965 e 1968 -, comando por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia.
A interrogação daquela “marcha cívica” “que mais parecia uma manifestação integralista” [depoimento deCaetano Velosono Documentário: “uma noite em 67 -: o festival que mudou a música popular brasileira”; citando comentário de Nara Leão] foi a adesão de Gilberto Gil que, mais tarde, ainda no ano de 1967, iria lançar sementes da “tropicália”, juntamente com Caetano Veloso, no III Festival da Canção da TV Record, evento que se mostrou histórico, exatamente na perspectiva de possibilitar a renovação da MPB, onde Caetano e Gil digeriam todas as influências musicais do rock, com forte inspiração do álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Club Band”dos Beatles e ainda as experiências de “Jimi Hendrix Experiencie” e bandas como Jefferson Air Plaine e Grateful Dead; informações musicais que espelhavam o caldeirão artístico de Hélio Oiticica em Londres, possibilitando no âmbito musical a fusãoda cultura brasileira com a amplitude sonora do rock, permitindo novas reflexões a respeito da “marcha contra as guitarras”, misturando Banda de Pífanos eJefferson Air Plaine. A tropicália trouxe para o ambiente musical, experiências literárias e poética de Décio Pignatari emanifesto Antropofágico de Oswald de Andrade, representação máxima no clássico disco “Tropicália ou Panis Et Circencis”– maio de 1968 - em obra coletiva definitiva que, muito além da música mudou a estética e comportamento da juventude. O trabalho coletivo resgatou autores como Vicente Celestino e João Barroso(também conhecido como Braguinha) incorporando-os a cultura popular do rock. A música “Tropicália” foi incluída no álbum de estreia de Caetano Veloso, de 1967.
Gilberto Gilagora fundia música regional nordestina com o rock, na clássica música “Domingo no Parque” no Festival da Canção da TV Record de 1967, acompanhado dos “Mutantes”.Caetano Veloso interpretou “Alegria, Alegria”, com osBeat Boys, germinando sementes sonoras da tropicália (gravação da música tropicáliano disco de estreia deCaetano Veloso), em que a sonoridade das guitarras elétricas da banda argentina representava verdadeiro ato político contrário a “marcha contra as guitarras”.
Todas essas possibilidades sonoras somente foram possíveis – inclusive no Brasil -em decorrência da origemdorock n’ roll, na fusão de vários estilos musicais: blues, rhythm and blues (R&B), música gospel, música folk, country e jazz nos anos de 1950 nos Estados Unidos, como fator de manifestação da juventude nascida pouco antes (e durante) da segunda guerra mundial.
