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Estado, Regime e Governo

Muito se fala da crise no governo brasileiro, crise dos partidos políticos, regime democrático, regime bonapartista, Estado de exceção, Estado policial, etc. É preciso entender exatamente onde estamos e para onde poderemos ir nesse turbilhão de crise econômica e política, guerras e revoluções. Há que se destacar a importância do estudo e da instrução na vida do revolucionário. Lênin compreendia a teoria marxista como “um guia para ação” e é famosa a sua afirmação que “sem teoria revolucionária não há prática revolucionária”.

O Estado é um aparato político-jurídico responsável pela organização social no âmbito de um determinado território. Mas não só isso. Lênin, em seu livro “O Estado e a Revolução”, resumindo a posição de Engels na obra “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, diz sobre o Estado: 

“É um produto da sociedade numa certa fase do seu desenvolvimento. É a confissão de que essa sociedade se embaraçou numa insolúvel contradição interna, se dividiu em antagonismos inconciliáveis de que não pode desvencilhar-se. Mas, para que essas classes antagônicas, com interesses econômicos contrários, não se entredevorassem e não devorassem a sociedade numa luta estéril, sentiu-se a necessidade de uma força que se colocasse aparentemente acima da sociedade, com o fim de atenuar o conflito nos limites da ‘ordem’. Essa força, que sai da sociedade, ficando, porém, por cima dela e dela se afastando cada vez mais, é o Estado”.
Então, “O Estado é o produto e a manifestação do antagonismo inconciliável das classes”. Ou seja, a definição de Estado está relacionada com as classes sociais existentes em determinada sociedade, em cada momento histórico. A classe social dominante explora as demais classes, principalmente pelo uso da força. O monopólio das armas é prerrogativa do Estado. Este possui destacamentos de homens armados, prisões e outras instituições repressivas. E pela violência, determinada classe se perpetua no poder. Assim é que Marx afirma, categoricamente, no Manifesto Comunista: “O Estado é o comitê executivo dos negócios comuns da burguesia”, essa definição é muito importante diante daqueles que agem como se o Estado fosse “neutro” e que pudesse ser ocupado por vias eleitorais para atender os interesses de outra classe que não fosse a dominante.

Na sociedade que produzia o seu sustento por meio do modo de produção primitivo, onde não havia classes sociais, não havia exploradores nem explorados. Também não existia Estado, pois não havia excedente de produção de bens materiais – a economia era baseada na coleta, caça e pesca e, consequentemente, não havia um setor ou grupo social que não trabalhasse e outro que trabalhasse. 
Mas a sociedade que desenvolveu o modo de produção asiático, com população sedentária e desenvolvimento da agricultura, com técnicas de irrigação, produziu em larga escala um excedente de produção que possibilitou que setores sociais deixassem de trabalhar e se dedicassem a administrar esses bens. E nessa altura do desenvolvimento histórico, as armas já não estavam nas mãos de toda a população, como na sociedade primitiva, mas sim nas de uma “casta burocrática”. E, assim, surge o Estado como uma organização burocrático-administrativa que controla toda a vida social.

No modo de produção escravista, com o surgimento das classes sociais, o Estado da burocracia administrativa evolui para um Estado classista, onde uma classe exploradora, que controla os meios de produção e toda a riqueza material, impõe a sua dominação em forma de ditadura sobre as outras classes exploradas. Esse caráter de classe do Estado perdura até hoje e é o instrumento que a classe dominante se utiliza para manter as relações de propriedade e as relações de produção (estrutura de classes) de uma dada sociedade.

No modo de produção feudal, o Estado avança no mesmo sentido. Aqui, o aparato da força defendia a propriedade dos senhores feudais e da Igreja em detrimento dos servos.
Já o modo de produção capitalista produziu um tipo de Estado que garante, pela violência, obviamente, que a burguesia (os proprietários dos grandes meios de produção e de troca) explore o proletariado (quem não possui propriedade e só tem a sua força de trabalho para “vender” por um salário). As classes sociais não são homogêneas. São divididas em setores que se digladiam entre si na disputa para obter melhor vantagem sobre o outro e, em determinado período, um ou outro controla o Estado. Por exemplo, no Brasil do início do século XX até final da década de 1920, o Estado era controlado pela oligarquia agrária, principalmente paulista e mineira. Hoje, pela burguesia ligada ao capital financeiro. 
O modo de produção capitalista produziu, também, contraditoriamente, o Estado Operário. Surgido a partir da Revolução Russa de outubro de 1917, aniquilou fisicamente a burguesia e instaurou a ditadura revolucionária do proletariado, pondo fim à exploração capitalista naquela parte do mundo, naquele momento. Esse é um grande exemplo prático da “expropriação dos expropriadores”, da “negação da negação”, da verdade incontestável de que, como todo fenômeno, o capitalismo carrega dentro de si o seu próprio antagonismo, o proletariado, que cresce junto com o capital a ponto de matar o hospedeiro.

E esse Estado Operário viveu um dilema de ferro. Ou avançava impondo o socialismo em escala mundial ou retrocederia e seria restaurado o capitalismo, num verdadeiro anacronismo histórico. Ocorre que também aqui os diferentes setores de classe em luta dão a dinâmica em cada momento histórico. Se o controle do aparato estatal se dá pelo setor revolucionário, pelos comitês da classe operária e por meio de seus organismos democráticos, haverá um Estado Operário Revolucionário. Mas se o setor dominante é a burocracia, não há democracia operária, o que caracteriza um Estado operário burocratizado ou burocrático desde o seu nascimento.
A condução burocrática da URSS levou a sua destruição. Após a morte de Lênin, a burocracia stalinista tomou o poder das mãos da classe operária e controlou ferreamente o Estado. A política da burocracia foi de se negar a expandir a revolução a nível internacional, concretizada na práxis do “socialismo em um só país” e na estratégica de “coexistência pacífica” com o imperialismo capitalista, levando, assim, a econômica soviética à bancarrota. 
A crise econômica na URSS e seus satélites se devia a que a economia soviética estava inserida na economia mundial capitalista e sofria todas as consequências da crise capitalista como setor mais fraco da economia mundializada. A essa crise, some-se a opressão da ditadura burocrática sobre a classe operária e teremos a situação propícia para uma explosão social. O que de fato aconteceu. A classe passou de movimentos de resistência a uma ofensiva aberta contra a burocracia dirigente.

Mas esse levante operário não chegou a uma revolução política que devolvesse o poder para os trabalhadores a partir da derrota do regime stalinista. Isso ocorreu devido à falta de uma direção revolucionária para o proletariado. Não havia um Partido Revolucionário na URSS, justamente porque a burocracia stalinista tratou de aniquilar fisicamente toda e qualquer oposição, o que possibilitou a manobra burocrática de oferecer “democracia” e “economia de mercado” e assim restaurar o capitalismo, destruindo o Estado Operário.
A restauração capitalista na URSS, no leste europeu e na China não significou o fim do socialismo como defende a propaganda imperialistas em sua luta ideológica contra os trabalhadores. Até porque o sistema soviético do século XX não era o socialismo. O socialismo só pode ser, e será, um modo de produção dominante em escala mundial. O que havia, na realidade, era um primeiro germe de negação real do modo de produção capitalista, um Estado Operário que se burocratizou e outros que já nasceram burocráticos.

Na instauração do modo de produção socialista, que é o período de transição política da passagem da sociedade capitalista para a sociedade comunista, o Estado Operário Revolucionário que surgirá da expropriação da burguesia, realizada pela classe operária dirigida pelo Partido Operário Revolucionário, deverá comandar as principais economias do mundo. Este implementará uma economia planificada a nível internacional que promoverá um salto no desenvolvimento das forças produtivas, garantindo, em primeiro lugar, a erradicação da fome no planeta, e fazer prosperar toda a humanidade no sentido de “construir” um novo ser humano.

É necessário que o Estado Operário se mantenha forte enquanto houver um país burguês no mundo e também para combater as tendências burocráticas e restauracionistas até eliminá-las por completo. Então, a partir daí, o Estado começa um processo de definhamento na direção do seu fim, e “morre”. 

Segundo Engels na sua “Carta a August Bebel”, de 28 de março de 1875, citado por Lênin no “O Estado e a Revolução”: "O proletariado usa o Estado, não no interesse da liberdade, mas sim para triunfar sobre o adversário e, desde que se possa falar de liberdade, o Estado como tal deixará de existir”.

O objetivo é avançar rumo a uma sociedade verdadeiramente livre, a uma sociedade Comunista. Pois no modo de produção Comunista, já livre de toda opressão estatal, de toda a ideologia burguesa e de todo o direito burguês, o ser humano poderá viver com comodidade onde “cada um possa contribuir para a sociedade conforme as suas capacidades e usufruir dos bens sociais conforme a sua necessidade” (Karl Marx, “Crítica do Programa de Gotha”).


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