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A imprensa que não morreu

O Jornal Gazeta Operária (GO) entrevistou Raimundo Rodrigues Pereira, jornalista há 52 anos, sobre o seu envolvimento na criação de um documentário para explicar a história recente do Brasil e mostrar o que existe de mentiras para justificar o golpe em curso. Raimundo Pereira trabalhou na grande imprensa burguesa como a Veja, Isto É, Realidade, Folha da Tarde, além de ter sido diretor de redação do semanário Opinião, no período da Ditadura Militar, e do semanário Movimento, nos anos de 71 a 85. Atualmente, é diretor da Editora Manifesto que publicou as revistas Reportagem e Retratos do Brasil.


Gazeta Operária (GO): O Sr. poderia comentar sobre o seu projeto de lançar um novo semanário?



Raimundo Pereira:  Nós suspendemos a publicação do “Retratos do Brasil” há um ano e pouco em função da crise e ficamos um núcleo pequeno de profissionais, eu, o Armando Sartori e companheiros aqui de Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Quando falo um semanário estou dizendo uma publicação que consiga ter uns 10 mil compradores por semana. Isso significa uma equipe de 40 profissionais, uns 80 colaboradores, ter representação em todo o Brasil. A ideia de um semanário de defesa da independência nacional, da democracia, elevação do padrão de vida material e cultural dos trabalhadores.


GO: No contexto atual em que a grande imprensa está abandonando o jornal impresso, seu projeto não estaria indo no sentido inverso?



Raimundo Pereira:  O modelo que a gente usa é o modelo, digamos assim, do porta voz do grande capital financeiro internacional que é a revista semanal The Economist. O The Economist tinha há dez anos uma circulação de 300 mil cópias impressas. Hoje tem um milhão e 300 mil, além de 500 mil exemplares de assinaturas digitais. Mas é uma coisa muito diferente do ponto de vista dos recursos materiais. A imprensa norte-americana, a partir do século 20, começou a ser uma imprensa com o lema do Hearst e do Pullitzer de que o leitor é burro. William Randolph Hearst, que é o famoso cidadão Kane [referência ao filme], dizia que se você quer ganhar dinheiro avalie o nível de cultura do povo um pouco abaixo porque se o fizer acima você não ganha dinheiro. Então, no fundo, é uma imprensa para emburrecer. Às vezes as coisas são tão bem escritas que passam a ser como verdades. A verdade está na prática; a verdade depende de que lado você está. Então, por mais bonito que você seja, por mais sofisticado, você tem um ponto de vista por trás. Nós discutimos na reunião que estávamos fazendo há pouco, como é que os norte-americanos passaram de um trilhão de dólares para quase cinco trilhões de dólares em dinheiro podre estocado pela Reserva Federal [o banco central norte-americano] aplicando a política do quantitative easing [Nota da Redação: alívio quantitativo, em inglês, que é a compra de títulos podres, públicos e privados, pelo valor cheio]. Passaram por um motivo: favoreceu certo tipo de gente, não? Como mostramos sobre isso? O Banco Central americano comprou títulos, alguns já podres, não? Duplicata, papéis lastreados em hipotecas imobiliárias para ajudar o capital financeiro.


Assim como aqui no Brasil, o que está fazendo o governo Temer, hoje ele está negociando com as diversas bancadas para tirar dinheiro do orçamento para favorecer essas bancadas e tirar dinheiro dos trabalhadores para cobrir o buraco todo. Não é uma coisa sem interesse. Ponto. Um semanário esboçado dessa maneira.


GO: O Senhor poderia comentar acerca do seu estudo crítico sobre a justificativa apresentada pelo senador do PSDB, Antônio Anastasia, em relação ao impeachment da presidenta Dilma?



Raimundo Pereira: Uma coisa muito interessante que vimos é o seguinte: o Anastasia, a certa altura, o que ele diz, de fato, é verdade, você não pode ver o crime sem ver o contexto. Então ele disse que vai apresentar qual foi o contexto no qual a Dilma teria cometido os seus crimes e tal. E é muito revelador o contexto que ele mostra. Ele mostra os dados sobre o PIB Brasil numa linha que vai de 1929, a grande crise do capitalismo, até agora como se o Brasil tivesse tido duas grandes crises, estão em vermelho, pra baixo da linha. Duas crises, uma de 1929 e a outra a queda do PIB em 2015 e 2016. Como se tivesse tido a maior crise até agora, a maior da história, equivalente à da crise da economia capitalista de 1929. E quando se vê o gráfico dele com o mínimo de cuidado é uma manipulação grosseira.

A crise do Regime Militar foi uma crise dupla. Primeiro, o déficit das transações correntes foi para mais de 3% do PIB. Depois, Ernesto Geisel fez um conjunto de obras mirabolantes para tirar o País da crise. Mas, ao invés de tirar o Brasil da crise, aprofundou ainda mais. O déficit das transações correntes pulou para quase 7% do PIB. Um fenômeno inédito na história do Brasil. Não há uma única uma palavra do [Senador] Anastasia sobre isso. Pelo contrário, parece que o Regime Militar foi uma maravilha. Somente no período de 1968 a 1973 houve um crescimento [da crise] de 11% em média. Então se trata de uma manipulação que procuramos mostrar, usando até os dados dele.


GO: Qual a sua opinião em relação ao futuro do governo Temer e do Brasil em geral?



Raimundo Pereira: Ele assumiu no primeiro semestre de 2016. A recessão de 2016 deve ser jogada sobre sua responsabilidade. E qual é a solução [apresentada pelo governo]? Vender o patrimônio nacional na bacia das almas, cortar direitos dos trabalhadores para atrair capitais com maiores facilidades de exploração de mão-de-obra, maiores lucros, para retomar, seguindo o padrão histórico no qual o Regime Militar enfiou o país numa espécie de poço, sua crise foi profunda. Dessa maneira, o crescimento econômico tende a ser muito menor. Durante o regime “neoliberal” de algo em torno a 2%. Durante os governos do PT, com uma série de mudanças da política e também ajudados pelos altos preços das matérias primas no mercado mundial, o crescimento foi um pouco acima disso, perto de 3% a 4%. Nos parece que o governo Temer está trabalhando como se fosse para ir ainda mais fundo do poço que a Ditadura Militar colocou o Brasil.


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