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Privatização do Maior São João do Mundo

Assim falou o cantador nordestino Santanna, citando os versos de Caetano Veloso: “... Me preocupa a força da grana que ergue e destrói coisas belas ... às vezes me preocupa que o São João, nossa festa tão tradicional e secular, se transforme em uma festa paulista dentro do nosso mês de junho...”.

No Nordeste, as festas juninas são, geralmente, as comemorações mais esperadas do ano. As famílias se reúnem em “festas caseiras” para pular fogueira, enfeitar as casas e quintais, vestir roupas tradicionais, comer e beber comidas típicas, cantar e dançar ao som das músicas populares regionais. Tudo isso para festejar São João, São Pedro, Santo Antônio e a chegada do período das chuvas na região. Essa paixão pelos festejos juninos é uma característica muito marcante dos sertanejos da região, mas também alcança os moradores das grandes capitais nordestinas.

Em 1986, conhecendo a paixão do nordestino e prevendo o potencial turístico e econômico que o São João sinalizava, o então prefeito da cidade de Campina Grande, Paraíba, resolveu reunir todos os eventos e festas que aconteciam no mês de junho em um único e gigantesco lugar, o Parque do Povo, bem no centro da cidade. Além disso, criou um slogan marcante e eficaz: “O Maior São João do Mundo”. O sucesso foi instantâneo já no seu primeiro ano, chamando a atenção da mídia e atraindo turistas de todo o Brasil e do resto do mundo.

Na sua primeira edição, o “Maior São João do Mundo” trouxe atrações como Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Marinês, Alceu Valença, Luiz Calixto, Elba Ramalho, Alcimar Monteiro, Jorge de Altinho e muitos outros artistas populares da região. Até o Pelé, o Rei do Futebol, dançou forró no Parque do Povo para promover o evento.

A partir de então, o evento foi crescendo, tanto em tamanho, estrutura, atrações, quantidade de participantes e turistas, quanto em relevância midiática e importância no calendário turístico nacional da Embratur, dividindo espaço com festas tradicionais como o Festival Folclórico dos Bois Garantido e Caprichoso, em Parentins, e o Carnaval do Rio de Janeiro.



Os números impressionantes da festa



Um evento com um potencial econômico do Maior São João do Mundo não poderia passar despercebido pelos interesses do Grande Capital. De olho nos números e nos evidentes lucros dessa festa, grandes empresários nacionais e estrangeiros trataram logo de impor a privatização do evento, visando à exploração do planejamento, organização e produção dos festejos que tem cifras impressionantes.

Neste ano, as festas juninas do Nordeste, somadas, devem atrair mais de quatro milhões de pessoas durante os 31 dias de celebração. As festividades em Campina Grande devem impactar em mais de 200 milhões de reais no PIB do município e se estima que mais de 1,5 milhão de pessoas passem pela região. Do ponto de vista econômico, o São João gera muito mais impacto na cidade do que o período das festas de fim de ano, somando a movimentação econômica de restaurantes, comércio, hotelaria, serviços, entre outras.

Por conta disso, a prefeitura de Campina Grande, reduto do PSDB, “resolveu” fazer do Maior São João do Mundo uma Parceria Público-Privada e patrocinar a festa pagando R$ 2,9 milhões para a empresa vencedora da licitação para realizar o evento como organizadora da festa em 2017. A empresa escolhida poderia explorar comercialmente o evento, desde a venda de patrocínios, passando pela organização e comercialização dos restaurantes e barracas e até pela contratação das atrações artísticas e musicais dentro do Parque do Povo. Ou seja, o grande capital, além de lucrar, vai definir e impor os aspectos artísticos e culturais dos festejos juninos.



São João privatizado ou The Joanine’s Party



O resultado dessa privatização do São João Nordestino não é nenhuma surpresa: é a total descaracterização da cultura regional em favor de atrações e costumes globalizados, muito mais atrativos e lucrativos para a grande mídia do que a cultura e as tradições locais. Poderemos, com isso, até prever um show da Beyoncé cantando “Pula fogueira iaiá, pula fogueira ioiô...” no palco principal do Parque do Povo (ou Apple Arena, quem sabe). Afinal de contas, empresas não tem nenhum outro objetivo a não ser a exploração e obtenção de lucro acima de qualquer coisa.

Com a privatização, o Parque do Povo perdeu muito em significados e significantes da memória Nordestina. Com exceção de alguns poucos espaços, a cenografia e a decoração das barraquinhas quase nada tem de elementos que caracterizem a tradição das festas juninas. As vestimentas dos comerciantes e dos participantes da festa também não se alinham com o motivo junino e até o cardápio oferecido passa longe das iguarias típicas, oferecendo, inclusive, itens de fast-food aos nativos e turistas.

E não para por aí. Mesmo a agenda artística do Maior São João do Mundo foi alterada para atender a esse novo perfil empresarial. A empresa responsável pelo evento tratou logo de preencher a programação da festa com os maiores sucessos midiáticos do momento. Os cantores sertanejos e as atrações globais tomaram conta do palco principal, garantindo a venda de camarotes, a presença de público e excelentes lucros para os empresários. Porém, o espaço legítimo dos artistas regionais, dos trios de forró e das músicas tradicionais que sempre alavancaram o sucesso do evento em Campina Grande diminuiu drasticamente, dando prioridade ao entretenimento fútil, shows e músicas cada vez mais distantes da cultura nordestina.

O resultado dessa privatização sem limites é a diminuição (ou até extinção) do significado original, artístico e cultural da festa. Embora o Maior São João do Mundo seja indispensável para o comércio e o turismo de Campina Grande, não se pode tratar, como querem os capitalistas, o aspecto financeiro como o único e principal fator relevante da festa. Não se pode resumir a realidade dos festejos juninos nordestinos à mera troca de mercadorias. É preciso cuidar da identidade do evento, cuja denominação remete à memória, às tradições e às raízes nordestinas e não apenas a uma grande feira a céu aberto, a um entretenimento comercial de quinta categoria.

Na realidade, o São João de Campina Grande é um patrimônio da cidade e do povo e deve ser respeitado e tratado como tal. Seu sucesso só foi possível pela cultura local, que dá sustentação e vida ao evento e não pelo marketing agressivo ou pelas atrações globais forasteiras, como insistem os veículos da grande mídia para tentar confundir o público. Por isso, se faz imprescindível que o Maior São João do Mundo volte a ser uma festa tradicional e popular do nordeste, que prestigie os artistas locais, as tradições e os costumes da região, que realmente represente a cultura do povo de Campina Grande, do povo do nordeste, do povo do Brasil.


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