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7,7 milhões de crianças sem creche, milhões de mulheres presas ao serviço doméstico

A falta de educação infantil é sem dúvidas um dos problemas que mais afetam as mulheres trabalhadoras, uma vez que na sociedade capitalista, a criação e educação dos filhos é responsabilidade única e exclusiva das mães. Neste ano, foram divulgadas as informações do suplemento “Aspectos dos cuidados das crianças de menos de quatro anos de idade”, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o estudo, das 10,3 milhões de crianças brasileiras com menos de quatro anos, apenas 25,6% (2,6 milhões) estavam matriculadas em creche ou escola. Entretanto, 74,4% (7,7 milhões) não frequentavam esse tipo de estabelecimento nem de manhã, nem à tarde.

Segundo o IBGE, desse contingente de 7,7 milhões de crianças sem acesso às creches e escolas, a maioria dos responsáveis (61,8%) demonstraram interesse em reverter a situação. Em 43,2% desses casos, os responsáveis chegaram inclusive a tomar medidas práticas como o contato com a creche, a prefeitura ou secretaria para informações sobre existência de vagas, bem como a inscrição em fila de espera. 3,8% daqueles responsáveis que tentaram matricular a criança na creche buscaram contato com parentes, conhecidos ou amigos que poderiam ajudar a conseguir vaga e 0,2% foram pela via da ação judicial solicitando vaga. Esses dados revelam que longe de ser um problema de “falta de interesse”, como cinicamente tentam apontar alguns setores da burguesia, o número pífio de crianças nas creches é um problema de políticas públicas. Ou seja, uma ação deliberadamente tomada com o intuito de marginalizar as crianças pobres e deixar milhões de mulheres fora do mercado de trabalho, embrutecidas nos afazeres domésticos.

O contingente de crianças matriculadas em creches está, inclusive, muitíssimo abaixo do atendimento de vagas proposto pelo Plano Nacional de Educação-PNE, que por si só já é um número bem reduzido. Sancionado em 2014, o Plano estabelece a universalização da educação infantil na pré-escola para crianças de 4 a 5 anos, com a meta de atingir 50% da demanda de creches até 2024. Vale destacar que dentre os ataques promovidos pelo governo golpista contra a classe trabalhadora está a extinção desta meta, devido a aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016 (oriunda da PEC 241, na Câmara, e depois PEC 55, no Senado), que prevê o congelamento das despesas relacionadas aos serviços públicos por 20 anos


Dupla jornada de trabalho e a cruel realidade das mulheres


De acordo com uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada (Ipea), dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que, nas atividades de afazeres domésticos, as mulheres trabalham, em média, pelo menos o dobro que os homens. No Brasil, essa diferença é ainda mais expressiva. Enquanto os homens dedicam aproximadamente 11 horas semanais para os afazeres domésticos, entre as mulheres brasileiras, a média de horas dedicadas a essas atividades é em torno de 26 horas. No mercado de trabalho, os homens brasileiros trabalham, em média, 43 horas por semana, enquanto as mulheres trabalham em torno de 36 horas semanais. Considerando o total de horas trabalhadas, a média para as mulheres, 62 horas semanais, é superior à dos homens.


Direito à vida e sobrevivência das mulheres trabalhadoras


A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, determina que seja garantida a educação infantil, destinada às crianças de idade entre zero e seis anos. Porém, isso até hoje não se tornou realidade no Brasil. Com o avanço das políticas de cortes como exigência do capital em crise, a situação tende a piorar. No ano passado, o governo golpista, encabeçado por Michel Temer (PMDB), por meio da Medida Provisória 729/2016, reduziu o repasse aos municípios dos recursos do Programa de Educação Infantil, que beneficiava as crianças de zero a quatro anos de idade. Segundo o texto do Ministério Público (MP), o valor por criança, antes equivalente a 50%, passou a ser de até 50% do valor anual mínimo nacional por aluno para a educação infantil do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

A falta de creches e pré-escolas públicas e as precárias condições de funcionamento das que existem dificultam a entrada das mulheres no mercado de trabalho e este ingresso é, por si só, um agente progressista, de garantia de sua emancipação econômica. É imprescindível que o Estado ofereça creches como um dos direitos básicos da classe trabalhadora.

Em relação às crianças, o IBGE usou um estudo americano, liderado pelo Prêmio Nobel de Economia, James Heckman, para reforçar a importância do investimento em educação infantil. Conforme destacou a analista do IBGE responsável pelo levantamento, Adriana Beringuy, a análise aponta para uma taxa de retorno maior quando o investimento em capital humano é realizado em crianças mais novas, principalmente nos primeiros anos de vida.

A educação das crianças e jovens deve ser realizada fundamentalmente em instituições públicas e de qualidade para que a mulher avance no processo de incorporação ao trabalho produtivo e assim de um passo na emancipação de sua opressão. O matrimônio indissolúvel, pautado na escravização da mulher, e a concepção de família nuclear como instituição basilar na formação do cidadão, que na sociedade machista relega a educação e cuidados com os filhos exclusivamente às mães, devem ser substituídos pela relação de igualdade de direitos absolutos entre homens e mulheres no mundo do trabalho, o que implica em atenção especial, por parte do Estado, à maternidade e à educação infantil.

Diante do aprofundamento da crise econômica, o grande capital aumenta a exploração dos trabalhadores como forma desesperada de salvar seus lucros. A investida contra os direitos das mulheres, que representam mais da metade da população, é um dos componentes essenciais dessa política. Elas serão mais fortemente atingidas pela terceirização irrestrita e pelas reformas trabalhistas e da previdência. A conquista de creches, lavanderias e refeitórios públicos, para atender às mulheres trabalhadoras são avanços em relação aos direitos democráticos e devem servir para o fortalecimento da incidência política das mesmas. A luta por esses direitos é parte da luta de classes no interior do capitalismo. Porém, a libertação completa da mulher trabalhadora somente poderá acontecer com a destruição do capitalismo e o fim da exploração do homem pelo homem. A participação das mulheres é imprescindível à luta revolucionária.

Neste contexto de desmonte dos direitos conquistados, somente a luta unificada dos trabalhadores, em todas as categorias, poderá barrar o imenso retrocesso que significará o corte de recursos públicos que estados e municípios serão obrigados a fazer para cumprirem a agenda de pagamento da fraudulenta dívida pública. Saúde e Educação serão os setores mais prejudicados e, se a falta de vagas em creches hoje é um problema, ela se tornará uma realidade caótica em pouco tempo.


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