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Lei Áurea: emancipação ou marginalização?

Há 129 anos, no dia 13 de maio de 1888, a então princesa Isabel, do Império Brasileiro, assinou a Lei Áurea. Nesse momento, foi extinta a escravidão dos negros no País. Em muitas ocasiões é ensinado e divulgado que a princesa Isabel é uma “santa”, alguém que realmente lutou contra o sistema escravista, uma mártir do povo negro. Nada mais fantasioso. A abolição não foi fruto de uma ação isolada de um membro da elite brasileira. É, na verdade, um capítulo de intensa luta de classes.

A história negra no Brasil começa com a escravidão. 12 milhões de pessoas foram desterradas da África com destino à América para serem utilizadas como escravizadas. Desse total, cinco milhões foram embarcadas com destino apenas ao Brasil. Cerca de um milhão morreram no curso da viagem. Os que desembarcaram, viveram os horrores da escravidão. Castigos físicos como o açoite; viver em condições sanitárias precárias; penas severas em caso de fuga, como marcar a fogo o rosto com a letra F etc., eram comuns no sistema escravista brasileiro.

Nenhuma classe social é reprimida por outra sem reagir. No caso dos escravizados, a história é a mesma. Suicídio, homicídio de senhores ou capitães do mato, fuga para quilombos e recusa a trabalhar eram práticas comuns de resistência. O século XIX, último da escravidão, foi um momento de aumento significativo de resistência escrava. O número de quilombos no Brasil superava em muito os que existiram nos séculos anteriores. Insurreições populares, com grande adesão de negros alforriados e mesmo de escravizados, como a Balaiada e a Cabanagem, e a revolta escrava dos Males na Bahia, datada de 1835, eram sinais de que a população negra não iria mais aguentar a situação de subalternidade.

A elite vivia com a memória da vitoriosa Revolução Haitiana, em 1804, em que os escravizados da ilha caribenha tomaram as armas, mataram a elite branca e tornaram a ilha independente, sob a liderança de Toussaint L'Overture e Jean-Jaques Dessalines. Tentavam manter a escravidão, mas morrendo de medo de ocorrer algo semelhante com o que aconteceu no Haiti. A série de agitações expostas acima, que abalaram a vida política e social do Brasil, aumentavam exponencialmente esse temor. O que a princesa Isabel fez foi “dar uma canetada”. Ela não foi uma “santa” para os negros. A liberdade foi tomada pelos reprimidos e por aqueles que eram contra a escravidão. Foi uma vitória que emanou da luta de classes.


Abolir sem incluir


Hoje, os negros são 54% da população do País. São 76% dos mais pobres e dentre o 1% da população mais rica brasileira, eles são apenas 17,4%. São 64% entre os desempregados; 72% dos moradores de favelas; 71,4% das vítimas de homicídios no Brasil e 67% da população carcerária. Esses números deixam algo claro: embora tenham conseguido sua liberdade da escravidão há 129 anos, os negros continuam ente os mais pobres, sem condições básicas de vida, sendo assassinados e privados de sua liberdade.

Isso tem razões históricas. Ao condicionar e direcionar a abolição da escravidão, as elites mantiveram os próprios privilégios. Assim, o escravizado permaneceu sendo obrigado a vender sua força de trabalho, uma vez que não se tornou detentor dos meios de produção. Nem mesmo o direito à terra o ex-escravo conseguiu. A elite, que é vendida como “boazinha”, através da figura da princesa Isabel, por “abolir” a escravidão, criou, em 1850, a Lei de Terras, que tornou impossível o ato de tomar posse de um terreno desocupado. A partir daí, era necessário comprar o terreno desocupado do Estado. Nenhum ex-escravo tinha condições financeiras de realizar essa compra. Dessa forma, a grande mudança econômica do fim da escravidão foi a “liberdade” que os negros possuíam de escolher para qual burguês trabalhar.

Em termos políticos, a mesma elite escravista continuou nos postos de comando. Isso significa que não houve políticas estatais que minimamente trouxessem à tona alguma forma de inserir os ex-escravos na sociedade. Os negros continuavam sem acesso à educação, aos meios de produção, hospitais e a áreas com melhores condições de moradia. As senzalas se transformaram em favelas, a relação senhor-escravo se tornou a relação patrão-operário, os capitães do mato foram repaginados enquanto policiais e forças militares. A abolição da escravidão passou um verniz de democracia em uma relação que continuou sendo absurdamente desigual.

O resultado são os dados que foram apresentados. Mais de um século após o fim da escravidão, o negro, embora não seja mais escravo, continua na maior relação de subalternidade, agora como o grosso da classe trabalhadora e ainda lidando diariamente com o racismo estrutural da sociedade capitalista.


Pela real inserção negra


As políticas públicas que apareceram, sobretudo nos anos 2000, como as cotas raciais, apesar de serem produtos da continuidade da luta negra após o fim da abolição, são um novo verniz democrático para as relações sociais com os negros. Apesar de importantes, elas não atacam a real causa do problema. De fato, percebendo que o discurso meritocrático não servia mais para legitimar a relação da sociedade para com o negro, uma vez que é óbvia a desigualdade de condições, o Estado burguês deixa cair migalhas para segurar a insatisfação social.

De fato, não há como tirar o peso dos problemas psicológicos, físicos, econômicos e sociais da escravidão. Nenhuma relação humana é mais desigual. Aliás, no sistema escravista, o escravo perde sua condição de humanidade. Não podemos, tampouco, desmerecer a importância histórica da luta negra contra a escravidão e, também, após a abolição, que dura mais de cinco séculos.

Porém, é preciso chamar a atenção para o inegável: a história da população negra mostra que no capitalismo, a burguesia sempre colocará o negro como subalterno, de forma a manter os próprios privilégios. Enfrentar o racismo exige que se enfrente o capitalismo. A real liberdade, a igualdade de direitos e o respeito às diferenças só será uma luta completa através da revolução social, rumo ao socialismo.


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