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Falta de investimento na área de inovação, ciência e tecnologia

“Os países que hoje são líderes no campo de desenvolvimento tecnológico começaram roubando, copiando ou comprando”

O Jornal Gazeta Operária entrevistou o professor titular no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, Renato Dagnino, sobre o baixo investimento do país na área de inovação, ciência e tecnologia, bem como sobre o processo de desindustrialização do país.


Gazeta Operária: O Brasil, hoje, possui um investimento muito baixo em inovação, ciência e tecnologia em relação ao PIB do país. Por que isso ocorre?

Renato Dagnino: A primeira coisa que é importante caracterizar é que o gasto em ciências e tecnologia, na realidade, não é um investimento. Em termos estritos, investimento é formação bruto de capital fixo e a maior parte do gasto em ciências e tecnologia não é gasto de investimento, é gasto de custeio, ou seja, pagamento de pessoal. Mas de qualquer forma, essa impropriedade semântica é, até certo ponto, justificada. Para entender essa realidade é necessário separar o que é gasto público em ciências e tecnologia e o que é gasto privado. Se observarmos o montante que o Estado gasta nas atividades de ciências e tecnologia, esse montante não é baixo, comparado com números de outros países, inclusive nos países de capitalismo avançado. Ou seja, o Estado brasileiro não gasta pouco em ciências e tecnologia, comparado ao nível internacional. O que é muito baixo é o gasto privado, ou seja, enquanto as empresas gastam para desenvolver pesquisas e desenvolvimento, que teoricamente as torna mais competitivas, mais eficientes e que, dessa forma, segundo essa visão idílica do transbordamento, permitiria o bem-estar da sociedade. Esse é o primeiro ponto que é necessário fazer. E isto nos coloca na questão de o porquê isso é assim? Porque as empresas, que nos países de capitalismo avançado são responsáveis pela maior parte do gasto em ciências e tecnologia, ou seja, mais de duas vezes o que gasta o Estado é gasto pelas empresas, porque essas empresas brasileiras, ou as situadas no Brasil, não gastam em ciências e tecnologia? Porque não fazem pesquisa de desenvolvimento?

Esse é o tema central que precisa ser entendido para qualquer pessoa que pretende elaborar política pública nessa área. Não distante, isso é muito pouco entendido pelos tomadores de decisão.


Gazeta Operária: Por que as empresas brasileiras não gastam com pesquisa?

Renato Dagnino: Existe uma ideia de senso comum que foi enunciado por um argentino, Jorge Shabat, que estudou a política científica tecnológica na América Latina e também no mundo inteiro. Ele dizia: “há três bons negócios com tecnologia: roubar, copiar e comprar”.

Nenhum país, nenhuma empresa vai desenvolver tecnologia se puder roubar, copiar ou comprar. A história nos mostra exatamente isso. Todos os países que hoje são líderes no campo de desenvolvimento tecnológico começaram roubando, copiando ou comprando. Mais do que isso, eu duvido que o leitor possa me dar o exemplo de uma empresa, no mundo, que desenvolve tecnologia se puder roubar, copiar ou comprar. Isso significa que as empresas só farão pesquisa caso elas se situem na fronteira do conhecimento, ou seja, se elas forem obrigadas, para se manterem no mercado, a desenvolver tecnologia. Quando nós olhamos a realidade dos países avançados, nós vamos ver que são setores mais dinâmicos, do ponto de vista econômico, justamente aqueles que também são mais dinâmicos no ponto de vista tecnológico. Ou seja, as empresas, para maximizarem seus lucros, são obrigadas a desenvolver tecnologia, porque não têm onde roubar, copiar e comprar. Quando nós olhamos a realidade dos países periféricos, como o Brasil, o que o leitor pode verificar é que tudo que é produzido no Brasil, já era produzido antes no Norte, ou seja, nos países capitalistas avançados.

As empresas situadas no Brasil, as empresas "brasileiras" (para ser brasileira, basta ter um CNPJ), produzem no país coisas para as quais já existe tecnologia no exterior. De tal forma que é muito mais conveniente para elas comprar essa tecnologia, seja ela embutida em bens, equipamentos e insumos, seja ela não embutida, ou seja, tecnologia não incorporada, que possa ser transferida ou vendida pelas empresas dos países de capitalismo avançado. Então, essa realidade precisa ser compreendida e ela tem a ver com o nosso modelo, com nosso estilo de desenvolvimento que se caracteriza, desde séculos, por uma cultura eurocêntrica. Ou seja, como um modelo que faz com que as nossas demandas por bens e serviços sejam muito semelhantes àqueles que as sociedades de capitalismo avançado possuem. Então, essa questão é estrutural e tem a ver com o que chamamos de dependência cultural. O mercado, as pessoas que têm dinheiro para comprar bens e serviços, tendem a demandar das empresas, aqui localizadas, produtos para os quais já existe tecnologia desenvolvida no exterior. É plenamente racional a postura, o comportamento das empresas localizadas no Brasil. O objetivo delas é aumentar o seu lucro e, nessa medida, não há porque elas desenvolverem tecnologia.

Gazeta Operária: O Brasil está desindustrialização há vários anos. Qual o motivo disso?

Renato Dagnino: O fenômeno da desindustrialização tem, evidentemente, raízes estruturais e raízes conjunturais. As raízes conjunturais, tais como a taxa de câmbio, etc. São normalmente mais comentadas pela mídia e pelos tomadores de decisão do que as raízes estruturais.

A tendência à desindustrialização no nosso país tem muito mais causas externas do que causa internas. Ou seja, a partir dos anos 1980, entrou no mercado internacional uma quantidade enorme de trabalhadores com baixa remuneração, de tal forma que o custo de produção em países como a China é extremamente mais baixo do que nos países como o Brasil. Então, apesar do salário do brasileiro ser muito baixo, o salário que aparece no balanço das empresas chinesas é na ordem de cinco vezes menor do que o brasileiro. Isso faz com que seja cada vez mais conveniente, a partir dessa data, a importação de bens industriais chineses, do que a produção em território brasileiro. Isso não é só para empresas de capital nacional, também as empresas transnacionais se deslocaram dos países de capitalismo avançado para a China e outros países asiáticos. Essa desindustrialização brasileira responde muito mais às causas externas estruturais do que causas internas e conjunturais.


Gazeta Operária: Qual é a sua análise sobre o fato do Brasil ser um exportador crônico de bens primários e o que seria necessário para o País sair desse status?

Renato Dagnino:  O fato de o Brasil ser um exportador de bens primários tem a ver com nossa “boa sorte”. Tem a ver com o Brasil ter um território extremamente rico em recursos minerais, em potencial de geração de produtos agrícolas, de ter uma população bastante miscigenada, com diferentes raças e culturas que aqui se formaram. Não vamos entrar em questões de justiça nesse momento, mas entender que o nosso potencial de geração de riquezas é enorme. E é natural que países como o Brasil se dediquem de uma forma muito intensa à exploração de seu território.

O que acontece é que o Brasil foi "descoberto" por uma sociedade que demandava produtos naturais no início da transição do feudalismo para o capitalismo. De tal forma que o Brasil, assim como outros países da América Latina e também África, se converteram em territórios, onde o objetivo fundamental da conquista europeia era explorar seus recursos naturais. Essa situação permanece até hoje porque continuamos tendo todas essas vantagens comparativas em termos de recursos minerais, em termos de potencial de produção de produtos agrícolas e assim por diante. O que teria sido necessário, há vários séculos atrás, quando uma elite econômica começa a se preocupar com o futuro do país? Vamos tomar como exemplo os Estados Unidos. Por que a elite estadunidense, um país extremamente rico em termos de recursos naturais, potencial de geração de bens e serviços agrícolas, etc., resolveu agregar valor às suas matérias primas e deixar de ser um produtor de bens de baixo valor agregado exportado para a Inglaterra, Alemanha e para a França, como era até o século XVII, mais ou menos, século XVIII? Por que aquela elite resolveu agregar valor às matérias primas e a elite brasileira não teve a mesma decisão? Esta é uma questão que nos remete a fatos históricos que os tomadores de decisão da era da política econômica, ou da política científica tecnológica, costumou não levar em conta, mas é fundamental entender que o nosso processo de colonização se deu controlado por uma elite de coronéis, essa elite agrário-exportadora, que se beneficiava do fato de o país ser exportador de produtos com baixa densidade tecnológica, baixo valor agregado. Quer dizer, a nossa permanente, ainda que renomada posição de exportador de commodities, resulta do fato de que essa posição beneficia uma elite que se mantem até hoje, a atual bancada do Boi, a elite do agronegócio brasileiro – e queremos aqui somar também, claro, as empresas que se dedicam à exploração e exportação de recursos minerais de uma forma geral. É impossível entender a política pública, que é uma policy, sem entender a politics, ou seja, policy no sentido de planejamento, e politics no sentido de política de jogo de poder, se entender que a politics está por trás da policy. Então essa situação do Brasil ser um exportador de commodities não é nada mais que o reflexo de uma determinada força no plano político dentro da sociedade brasileira.

Se bem que é verdade que a partir dos anos de 1930 o Brasil se industrializa, recentemente, dentro de uma proposta ou de um programa de subdivisão de importações de fiscalização via substituição de importações, esse processo sempre se deu como ponta de lança das empresas multinacionais que se localizaram no país e que, evidentemente, não estavam interessadas em, como eu disse anteriormente, desenvolver aqui uma tecnologia que já existia.


Gazeta Operária: Existe relação entre esse baixo investimento com o sistema educacional brasileiro?

Renato Dagnino: É interessante, e eu tenho falado cada vez mais, que temos que entender a política de ciências, tecnologia e inovação em conjunto de uma política de educação. Ou seja, os países, cada vez mais no mundo inteiro, estão trabalhando com um conceito, ainda que implícito, de política cognitiva, de política de conhecimento, incluindo essas duas: ciências, tecnologia e inovação e de educação.

O que acontece no Brasil, que é flagrante, é que o nosso sistema de educação de pós-graduação, que é onde se faz pesquisa no mundo inteiro, ele é muito mais parecido com os dos países de capitalismo avançado do que do nosso sistema de educação fundamental, de segundo grau e até mesmo de terceiro grau. É uma diferença adsumenus, de tal forma que o que podemos ver, no nosso caso, é que de uma maneira mais diretamente relacionada, o que importa para que as empresas dos países avançados façam pesquisa, não é a educação ázimo, e sim a educação de pós-graduação, a de graduação orientada para a pesquisa empresarial e de pós-graduação. Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos, mais da metade dos mestres e doutores formados em licenciatura, ou seja, engenharia, química, física, matemática, tecnologia, etc., aquelas áreas que as empresas demandam para se tornar lucrativas, mais de 50% desses mestres e doutores são absorvidos pelas empresas para fazer pesquisa. Quando a gente olha o caso brasileiro, vemos que entre 2006 e 2008, que foram três anos de bonança econômica, o nosso honroso Brasil formou 90.000 mestres e doutores em licenciatura. Destes 90.000 que formamos em licenciatura, aqueles que nos Estados Unidos vão fazer pesquisa nas empresas, somente 68 foram contratados para fazer pesquisa nas empresas. Então esse dado é suficiente para exemplificar e para mostrar o quanto a nossa política de formação de recursos humanos, nossa política de produção de gente que sabe fazer pesquisa, está dissociada da nossa realidade. O que não quer dizer, evidentemente, que vamos parar de produzir mestres e doutores. Não, temos que continuar. Mas temos que, cada vez mais, orientar o nosso potencial, nosso potencial de fazer pesquisa, para aquelas áreas onde não há tecnologia disponível no mercado internacional, que é, na realidade, muitas vezes nas áreas que tem a ver com as necessidades básicas da maioria da população. Nessas áreas não há de onde comprar tecnologia, não há de onde roubar tecnologia. Isso compete a nós aprender.


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