Na última semana, uma escola estadual de Assis, interior de São Paulo, tornou-se palco de mais um caso de violência contra professores, desta vez uma mulher de 49 anos. A docente, que atua como eventual, substituindo colegas ausentes, foi agredida verbal e fisicamente por cinco alunos de uma turma do terceiro ano do Ensino Médio. Além de xingamentos como “velha”, “morta de fome” e “burra”, a educadora teve uma sacola plástica colocada em sua cabeça, sofreu simulações de ato sexual e foi atingida na cabeça com um capacete. O episódio, registrado em boletim de ocorrência, ganhou repercussão nas redes sociais e na mídia local, evidenciando um padrão alarmante: há pouco mais de um ano, a mesma escola foi cenário de outro caso de agressão a um professor, que também repercutiu nacionalmente. A ausência de medidas concretas contra os agressores reforça a sensação de impunidade, agravada pelo discurso de desvalorização do serviço público e dos profissionais da educação.
Um triste cenário que se repete
O Brasil já liderava, em 2013, o ranking mundial de violência contra professores, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A realidade atual confirma essa tendência: agressões físicas e verbais tornaram-se comuns nas escolas, muitas vezes naturalizadas, mesmo sendo uma das principais causas do adoecimento mental dos docentes. Para os pesquisadores que analisaram dados do SAEB/Prova Brasil (2017), Wander Plassa, Pietro André Telatin Paschoalino e Luan Vinicius Bernardelli, fatores como gênero e experiência do professor, aplicação de regras escolares, localização da escola, índices socioeconômicos e características das turmas (como número de alunos e estrutura familiar) influenciam diretamente nesse fenômeno.
O professor de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Valter Mattos da Costa, contextualiza: “O ambiente escolar, idealizado como espaço de formação e segurança, reflete as desigualdades e conflitos sociais. Alunos expostos à violência estrutural reproduzem essa agressividade no cotidiano escolar, afetando a saúde física e emocional dos professores”. O resultado é um ciclo de hostilidade, onde pequenos atos de desrespeito são banalizados, corroendo a autoridade docente e comprometendo o processo educativo.
Desvalorização e políticas de opressão
A desvalorização da profissão docente é um dos pilares desse problema. Salários baixos, condições de trabalho precárias e narrativas que culpabilizam os professores pela crise educacional alimentam o desrespeito. Um exemplo é a política de culpabilização, implementada gradualmente pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo nos últimos anos, que transfere para os docentes a responsabilidade pela “qualidade da educação”. Trata-se da cópia de um modelo adotado nos Estados Unidos (accountability), apontado por vasta literatura especializada como fracassado. Começam com propostas de melhoria da escola e ajuda às crianças pobres, garantia de direito de todos a aprender na idade certa, implementam avaliações de larga escala que desmoralizam professores e escolas públicas com testes padronizados unilaterais, envolvem inicialmente apenas terceirização de escolas públicas para ONGs sem fins lucrativos, e depois avançam para propostas de privatização e eliminação do sistema público. Em São Paulo, câmeras em salas de aula, em vez de garantir segurança, servem para vigilância e controle, culminando em penalizações injustas aos docentes por comportamentos inadequados dos alunos. Tudo em nome da padronização das metodologias e da garantia em se atingirem metas e resultados por meio do trabalho com plataformas.
A retórica de algumas autoridades públicas agrava o cenário. Em 2023, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL), em evento pró-armas no Rio de Janeiro, equiparou professores a traficantes, acusando-os de “doutrinação”. Já o secretário de Educação de São Paulo, Renato Feder, promoveu, no ano passado, uma live incentivando alunos e diretores a “ameaçarem” professores por meio da “avaliação 360” — mecanismo que condiciona a permanência dos docentes nas escolas a avaliações subjetivas, ampliando a pressão e a insegurança laboral.
Consequências: adoecimento e êxodo
A violência no ambiente escolar gera estresse crônico, sintomas físicos, desmotivação e deterioração de relações pessoais entre os professores. Muitos adoecem ou abandonam a profissão, como destaca Valter Costa: “Atos aparentemente menores, quando frequentes, desgastam as relações e inviabilizam o convívio educativo”. A falta de mecanismos eficazes de mediação de conflitos e a ausência de suporte profissional (psicólogos, assistentes sociais) nas escolas agravam o problema, deixando professores e alunos à mercê de um sistema repressor e desconectado da realidade juvenil.
Caminhos para a mudança
Combater essa crise exige políticas públicas integradas. A valorização profissional — com salários dignos, formação continuada e melhores condições de trabalho — é urgente. É essencial reconstruir a relação entre família, escola e Estado, com foco na formação cidadã dos estudantes. Além disso, é preciso criar redes de apoio para docentes, com canais de denúncia eficientes e suporte psicológico, e combater políticas punitivistas, como a “avaliação 360”, que só ampliam a opressão sobre aqueles que trabalham em condições precárias e conflituosas.
Enquanto isso, a sociedade civil deve fortalecer a luta por uma educação pública de qualidade, denunciando violências e exigindo ações concretas. Como conclui Valter Costa, “a escola precisa ser espaço de diálogo e respeito, não de reprodução de desigualdades”. A mudança começa com o reconhecimento de que professores não são inimigos, mas pilares fundamentais para um futuro menos violento.
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil