Após o resultado das eleições nos Estados Unidos, todos se perguntam como ficará o mundo com o retorno de Trump à Casa Branca. O líder Republicano foi considerado vitorioso após o resultado das eleições realizadas em 05 de novembro de 2024, em 50 estados e no Distrito de Columbia.
O “farol do império”, que controla os países do mundo ocidental e do Sul Global, optou por trocar a política globalista dos democratas, apoiada no neoliberalismo e no processo da dolarização da economia mundial, que os tornou capazes de exercer uma força descomunal. Essa política é apoiada no sistema Swift, que é a capitação de recursos fáceis, em que a geração de capital se descoloca do setor produtivo e tem como base de sustentação o setor privado do complexo industrial armamentista estadunidense. Tal prática, que sustentou por muito tempo o poderio dos Estados Unidos sobre as demais nações, está sendo agora questionada, tanto pela população norte-americana, como também pelos países pertencentes ao Sul Global.
O uso de sansões econômicas, golpes de Estado, revoluções coloridas, guerras quentes por procuração e ocupações militares contra os considerados “inimigos” que ameaçavam o império ocidental foram o deleite desse período de hegemonia do grande capital estadunidense sobre a população mundial.
Como consequência de tal política globalista, os países oprimidos se aglutinaram e buscaram saídas de enfrentamento contra a opressão econômica e militar do império ocidental, formado pela unidade dos países que compõem o G7 (Canadá, Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido) e que controlam o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização do Atlântico Norte (OTAN), além deterem o controle do Conselho de Segurança da ONU, entre outras instituições.
Os países do Sul Global são aqueles que não pertencem a esse grupo de economias altamente industrializadas do Ocidente, como Brasil, Índia, África do Sul, China e México. Eles buscam um desenvolvimento econômico voltado principalmente para o mercado interno e, também, para o fortalecimento da produção de artefatos militares como possibilidade de se contraporem à OTAN, que aglutina 32 países atualmente.
É nesse contexto que os republicanos, na pessoa do empresário bilionário, Donald Trump, assumem a Casa Branca, como “depositários” da “esperança do povo estadunidense”. Apesar de extremamente controladas por um sistema nada democrático, as eleições nas terras do Tio Sam expressaram uma crise violenta do regime que, pela segunda vez consecutiva, não consegue reeleger o presidente no poder (Trump não se reelegeu em 2021 e Biden sequer conseguiu ir até o final da campanha, sendo substituído por sua vice, Kamala Harris). Elas expressaram também, por um lado, um pedido de “socorro” da população, por outro uma crise da burguesia que quer evitar o aprofundamento das contradições internas e a queda do império. Trump não só obteve o apoio da maioria da população, expressa principalmente pela vitória nos estados com maior concentração populacional, como também conseguiu a maioria dos delegados entre os estados, uma soma correspondente a 312 delegados em detrimento aos 226 obtidos por Kamala Harris. O presidente eleito também garantiu a maioria na composição do Senado e na Câmara dos Representantes, que corresponde à nossa Câmara dos Deputados.
A atual vitória de Trump é o maior sinal da crise estadunidense. É de se supor que sua tentativa de modificar toda a estrutura que até hoje deu sustentação ao domínio do império estadunidense em crise tornarão as contradições mais agudas. Para alcançar seus objetivos, Trump terá de instalar um governo de características ditatoriais sobre uma população que acredita viver no País mais democrático do mundo, o que pode desencadear uma guerra civil.
Sua promessa é a de evitar a decadência do “farol do mundo“ pelo caminho do “americanismo”, conceito advindo da Doutrina Monroe, cujo slogan era “a América para os americanos”, ou seja, os países do continente americano devem estar sob controle do imperialismo estadunidense. Adotada em 1823, antes da primeira e segunda guerras mundiais, antes do processo da dolarização do mundo, da guerra fria e da criação dos BRICS, essa doutrina tinha como objetivo a não interferência dos países europeus nos países americanos, recém descolonizados. Defendia, também, a não intervenção dos Estados Unidos nos conflitos entre os países europeus. Trocar os caminhos do globalismo pelo do americanismo, ou tentar cruzá-los como saída de superação à queda do império será uma tarefa desafiadora diante da reconfiguração geopolítica atual.
Nem Trump nem o mundo é o mesmo do século XIX
Trump volta à Casa Branca num momento em que a influência global dos Estados Unidos vem sendo questionada mediante o fracasso dos governos democratas, motor propulsor da formação da economia global e, ao mesmo tempo, indiretamente, devido à nova ordem multipolar defendida pelos países do Sul Global. A Ásia, inclusive, pode retomar o lugar do centro econômico do mundo.
As conexões econômicas, energéticas e militares, principalmente entre a China, Rússia, Irã e Coreia do Norte foram o pesadelo do governo de Joe Biden e continuarão sendo para o próximo governo. O BRICS, mesmo sendo destinado às questões de desenvolvimento econômico dos países membros e colaboradores, será a “pedra no caminho” para a manutenção do poder dos Estados Unidos.
O giro econômico e militar que Trump está procurando impor aos Estados Unidos vem sendo demonstrado neste momento pela composição de seu secretariado e por suas falas em relação ao genocídio promovido por Israel contra os palestinos, uma aposta de solução para a crise energética dos EUA e da Europa.
A promessa de deixar de financiar o genocídio na Faixa de Gaza esbarrará no fato de Trump e seu vice serem defensores do sionismo. Outra questão difícil será a de deixar de financiar a Ucrânia contra a Rússia, para atingir indiretamente o poderio crescente da China. Seguem outros questionamentos: como fazer guerra comercial contra a China se a maioria dos produtos de consumo da população americana são produzidos por fábricas chinesas? Como os americanos vão encontrar mercado de consumo, principalmente na África e América Latina, se esses países mantêm relações comerciais avançadas com a China e a Rússia? Como vão explorar os países do Sul Global para garantir matérias primas para suas indústrias? Eis a encruzilhada em que Trump está metido.
Caberá à classe trabalhadora estadunidense encontrar sua própria saída. Tanto democratas quanto republicanos têm se mostrado ineficientes em resolver a crise interna e externa de seu País. A economia baseada no neoliberalismo está caminhando a passos largos para sua autodestruição.
Foto: Joe Raedle/Getty Images