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SINTPq debate “PL dos apps”

 

Por Priscila Leal, Secretária Geral do SINTPq

O Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia, SINTPq - SP, promoveu, no último dia 4, uma discussão virtual sobre o projeto de lei complementar (PLP) 12/24. O convidado para debater o tema foi o professor da Unicamp, José Dari Krein, doutor em Economia Social e do Trabalho. Participaram do evento sindicalistas de diversas categorias, militantes e trabalhadores da base do SINTPq.

O ponto de partida para a discussão foi o breve levantamento histórico das principais questões estruturais envolvendo o mercado de trabalho brasileiro, de forma a “entendermos como chegamos na plataformização do trabalho dos dias de hoje” nas palavras de Krein. A conformação atual do mercado de trabalho brasileiro é um processo longo, cuja desconstrução dos direitos trabalhistas encontra marco na reforma trabalhista de 2017, impulsionada pela onda das terceirizações iniciadas nos anos de 1990. A pandemia da COVID19 acelerou a introdução das tecnologias digitais de comunicação e plataformização de serviços na vida cotidiana das pessoas e no mercado de trabalho. Também legou uma grande massa de desempregados, que foram rapidamente absorvidos pelas empresas “big techs” como iFood, Uber, Rappi entre outras. Hoje assistimos ao desenvolvimento desta superexploração do trabalho, pautada pela desregulamentação total, longas jornadas, assunção dos riscos operacionais por parte do trabalhador, desamparo assistencial e previdenciário e rendimentos abaixo do patamar estabelecido pelo salário mínimo nacional.

Situação dos trabalhadores plataformizados

Em sua exposição, Krein apresentou dados levantados nas pesquisas do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit/IE/Unicamp) que apontam para jornadas de trabalho (média) superiores a 48h semanais e dedicação exclusiva para 94% dos trabalhadores de aplicativos, ou seja, apenas 6% destes trabalhadores estão utilizando a plataforma como complementação de renda, o principal argumento de propaganda das empresas operadoras das plataformas digitais. Além disso, apenas 23% destes trabalhadores contribuem para a seguridade social de forma independente. Estes trabalhadores estão sujeitos a uma “relativa autonomia”, pois quem controla a jornada de trabalho e a remuneração é o algoritmo, ou seja, no fim, é o dono da ferramenta quem dita o ritmo de trabalho, pelo controle e distribuição da demanda e valores por trecho percorrido, o que estabelece a dependência do motorista às empresas.

A título de comparação, um teletrabalhador em regime da Consolidação das Leis Trabalhistas, CLT, recebe em média 3,8 vezes mais que um entregador, utilizando a mesma base tecnológica. Krein ressaltou ainda que as empresas não possuem nenhum compromisso com a operação, ou seja, com o serviço de entrega de produtos ou transporte de passageiros, pois sobrevivem da valorização financeira e venda de dados e, se a empresa quebrar, não há lastro de bens de capital pois quem fornece todas as ferramentas para tornar o serviço possível é o próprio trabalhador.

Escopo do PLP dos apps

É neste contexto que surge o PLP 12/24, a “PL dos apps”, que tem como objetivo, conforme caput: “dispor sobre a relação de trabalho intermediado por empresas operadoras de aplicativos de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículos automotores de quatro rodas e estabelece mecanismos de inclusão previdenciária e outros direitos para melhoria das condições de trabalho” (destaque nosso).

O PLP 12/24 é de autoria do poder executivo da União, e foi construído por meio de comissão tripartite, envolvendo representantes das empresas, das centrais sindicais e do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi apresentado em plenária virtual na câmara dos deputados em 05/03/2024, conjuntamente com uma solicitação de urgência, e atualmente encontra-se pendente para apreciação em plenária e audiências públicas das diversas comissões da câmara dos deputados. O PLP 12/24 prevê jornada de trabalho de até 12h diárias, efetivamente trabalhadas (in itinere, ou “em corrida”) por aplicativo, piso remuneratório e recolhimento compartilhado para previdência social. O projeto estabelece que não há vínculo empregatício entre o motorista e a empresa que gere o aplicativo, sendo considerado trabalhador autônomo.

PL dos apps e a necessidade de superação da visão dicotômica

Em pouco mais de um mês do anúncio, o assunto gerou a polarização de opiniões na mídia e protestos de parte da categoria que se coloca contra o projeto. De fato, não existe unidade entre os trabalhadores e, de acordo com Krein, governo e sindicatos tomaram o caminho da discussão adaptativa em detrimento da discussão estratégica. Ou seja, o discurso tem um polo apropriado pela extrema direita, que se coloca contra o projeto sob a falsa argumentação de “retirada de autonomia” e “risco de saída das empresas do país”. E em outro polo, a defesa acrítica do PLP, sob as alegações: “melhor com algum direito do que sem nenhum”, ou “os trabalhadores poderão consignar melhorias por meio da negociação coletiva”, o que está longe de ocorrer em uma categoria tão desorganizada.

Vale lembrar que o PLP 12/24 ainda não esgotou seu caminho no legislativo, podendo - e com grandes chances de - sair algo muito pior para o trabalhador do que a proposta inicial. Krein sugeriu alguns caminhos distintos da abordagem proposta pelo PLP, envolvendo formas alternativas de financiamento da Previdência Social, como inserção de garantias de seguridade social por meio de normas regulamentadoras, que preveem deliberação por comissão tripartite.

Bom seria se sindicatos e governo estivessem discutindo estratégias de retomada da legislação trabalhista à luz das novas tecnologias, sem o rebaixamento das condições de trabalho alcançadas por séculos de lutas de trabalhadores. Também deveria ser debatida a regulamentação de empresas estrangeiras monopolistas que se apropriaram das tecnologias digitais. Melhor ainda seria se estivéssemos colocando em prática nosso modelo de soberania digital, e fossemos nós, os trabalhadores brasileiros, a propor quais são as condições dignas de trabalho.

O debate do “PL dos apps” ainda não terminou e segue como um exemplo de que a classe trabalhadora depende só dela mesma para sua emancipação, por meio de sua organização. Governos cujas políticas visam, sobretudo, a conciliação de classes, não conseguem resolver os problemas dos trabalhadores. “Por isso, aqueles que acreditam ser possível construir uma sociedade mais justa e efetivamente democrática, que acreditam ser possível oferecer a todas as pessoas condições concretas de desenvolvimento humano, sabem que o caminho é longo e que é preciso perseverar no bom combate” (Proni, 2023).

 

Referência:
Proni,.Marcelo Weishaupt Estruturação e desestruturação do mercado de trabalho no Brasil Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 454, setembro 2023.


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