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Não à privatização do sangue!

A PEC nº 10/2022, que ficou popularmente conhecida como a “PEC do plasma”, foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, no último dia 4 de outubro. O projeto sugere uma alteração no artigo 199 da Constituição, que proíbe a comercialização de órgãos, tecidos, substâncias humanas e plasma para fins de transplantes, pesquisas e tratamentos. Se aprovada no Congresso, a PEC abrirá uma brecha para a futura comercialização do plasma, já que a coleta e processamento de plasma humano poderão ser feitos também pela iniciativa privada, o que inclui remuneração às pessoas que doam sangue. Importante pontuar que o PT e o MDB foram os únicos partidos que orientaram os integrantes de seus blocos a votarem contra a PEC. 

Mas afinal, o que é plasma? O plasma corresponde à 55% da composição total do sangue e seu papel é levar nutrientes, hormônios e proteínas aos órgãos do corpo humano através do sistema circulatório. Além disso, serve de matéria-prima para os chamados produtos hemoderivados, ou seja, medicamentos produzidos com base sanguínea. Esses remédios, em geral, combatem doenças oncológicas, autoimunes e neurológicas, entre outras. Pela atual Lei do Sangue, todo plasma humano que não for usado em transfusões de sangue, deve ser direcionado diretamente ao SUS.

A PEC do plasma é de autoria do senador Nelsinho Trad (PSD-MS) e teve o parecer da senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB). Segundo Ribeiro, a aprovação abre espaço para atração de investimentos externos no setor e a exportação de medicamentos hemoderivados para países vizinhos. O Governo Federal, em nota oficial, também criticou a medida, argumentando ser “contrário à remuneração, compensação ou comercialização na coleta de sangue ou de plasma, uma vez que isso desestruturaria a política nacional de sangue, referência mundial pela sua excelência e capacidade de atender a todos os brasileiros. Qualquer mudança que afete as doações voluntárias incorre em risco de desabastecimento nas emergências hospitalares e para quem precisa de transfusões regularmente. Inclusive, o caráter voluntário das doações é recomendado pela Organização Mundial da Saúde”.

A ala privatista, por sua vez, não se furtou de fazer lobby em torno da matéria. Enquanto o Projeto tramitava na CCJ, a Associação Brasileira de Bancos de Sangue (ABBS) pagou publicidade para grandes jornais como Folha de São Paulo, Correio Braziliense e Valor econômico para fazer campanha em favor da PEC. As propagandas traziam as seguintes frases: “o Brasil não tem tecnologia para processar o próprio plasma”, “sangue bom não desperdiça plasma”, “isso tem que acabar” e “a PEC do plasma pode corrigir essa situação”. Segundo um levantamento feito pelo Intercept, o valor gasto pela ABBS nas publicidades veiculadas nos jornais citados chegou a R$ 773 mil.  Quando questionada sobre os altos valores gastos em publicidade a ABBS não se pronunciou.

 

Para os capitalistas, até sangue é mercadoria

 

O método do capitalismo de se vender a privatização como um ideal de liberdade enquanto lucra até sobre a última gota de sangue do trabalhador já não é mais desconhecido. Mas a questão é: quem irá se beneficiar com a comercialização do sangue, se não grandes empresários que criaram um monopólio sobre a Saúde? O desabastecimento de sangue no SUS irá comprometer a saúde (inclusive a vida) de que parcela da população? 

Outra questão fundamental sobre a PEC diz respeito à fabricação de medicamentos. Atualmente, o desenvolvimento e produção de medicamentos hemoderivados e biotecnológicos é prerrogativa exclusiva da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobras), estatal criada em 2004. Será mesmo que a população trabalhadora terá suas necessidades atendidas quando a indústria farmacêutica se apoderar também da produção de medicamentos hemoderivados?

O fato inquestionável é que a privatização do sangue irá comprometer a Hemobras, estatal estratégica para a autossuficiência na produção de medicamentos no Brasil. Apesar de a empresa, atualmente, não produzir hemoderivados no Brasil, o que revela a necessidade de maior investimento na mesma, não podemos esquecer que sua primeira fábrica tem previsão de ser concluída em 2025. Ela terá capacidade para produzir até três toneladas de imunoglobulina por ano, que é a demanda atual do SUS. Sem dúvidas esse é outro fator importante que aumenta a pressão sobre aprovação da PEC, pois a malandragem já conhecida do grande capital é deixar que o Estado invista, para depois se apropriar dessa infraestrutura. Ou seja, o ônus fica com o poder público, enquanto o privado fica com o bônus

Mas os problemas criados pela existência de um monopólio sobre a coleta de sangue pelas grandes empresas não param por aí. Pessoas em posição de vulnerabilidade social certamente serão os grandes “vendedores de sangue”, num debate meramente econômico, onde valerá tudo para conseguir o dinheiro da venda, inclusive ocultar informações sobre a saúde. Como o objetivo das empresas será lucrar, será mesmo que haverá um rigor na averiguação dos dados sobre essa saúde dos vendedores? Não seria de se espantar se as chances da circulação de sangue contaminado fossem aumentadas com a medida.

Por fim, a Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados do Brasil é uma referência mundial, mesmo sem o investimento necessário. Atualmente, o sangue doado no País atende exclusivamente à população brasileira. Se o serviço for privatizado, o plasma brasileiro vira commodity para o mercado global. Logo, a exportação do sangue desabastecerá os bancos nacionais, deixando a população brasileira mais vulnerável. O que é, no mínimo, contraditório com a proposta inicial, que em teoria se apresenta como a “solução” para suprir a insuficiência no âmbito nacional.

É preciso se colocar contra a PEC nº 10/2022 e essa política nefasta de entregar tudo do povo para a iniciativa privada: empresas, bens e recursos naturais e agora até mesmo o sangue da população. Mas para além disso, é preciso lutar por maior investimento no SUS e todas as suas variações. Defender a Hemobras enquanto estatal a serviço do povo é dever de todos que se colocam na defesa dos interesses das classes trabalhadoras.
 


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