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Se encerra a Copa do Mundo de Futebol Feminino

A Copa do Mundo de Futebol Feminino, que se encerrou neste último final de semana, com a vitória da equipe espanhola, foi um evento marcante para o esporte feminino. Sediado na Austrália e Nova Zelândia, o torneio contou, pela primeira vez, com 32 equipes (o mesmo número da versão masculina), um aumento significativo em relação às 24 seleções que participaram da edição de 2019 na França. Essa é uma vitória concreta das mulheres na luta contínua pelo reconhecimento dessa modalidade. Dentre as 32 equipes participantes, oito competiram em uma Copa do Mundo pela primeira vez: Haiti, República da Irlanda, Marrocos, Panamá, Filipinas, Portugal, Vietnã e Zâmbia.

O futebol feminino ganhou destaque cada vez maior nos últimos anos, embora se mantenha a desigualdade explícita na Copa do Mundo feminina quando comparada à masculina, tanto em audiência e condições de treino quanto em premiações às profissionais. Apesar de o valor, em dinheiro, dos prêmios distribuídos entre as seleções da Copa do Mundo Feminina, ter alcançado um total de R$152 milhões de dólares e ser três vezes maior que o valor de 2019, e 10 vezes maior que o de 2015, ele ainda é extremamente menor do que o prêmio de 440 milhões de dólares destinado às seleções masculina da Copa do Mundo do Catar em 2022. Esses números revelam a grande a desigualdade de gênero existente no futebol.

Em quatro anos, a Copa do Mundo Feminina ganhou 229 milhões de novos espectadores, o que equivale a 2.911 Maracanãs. O público que acompanha as competições femininas pela televisão também teve aumento significativo de 60% em relação à edição de 2019. Vale lembrar que a final em 2019, entre Estados Unidos e Holanda, teve uma audiência 56% maior que a final de 2015. 

No Brasil, para cada jogadora de futebol profissional, há 22 jogadores homens, considerando somente profissionais registrados no país. Dados da Confederação Brasileira de Futebol, CBF, apontam que 4,4% do total de jogadores profissionais do país eram mulheres, ou seja, há 12.992 homens e 598 mulheres. A diferença se estende para outras funções. O país tem cerca de 1672 homens treinadores e 57 mulheres no mesmo cargo, pouco mais de 3% do total, já na arbitragem há 123 mulheres e 536 homens, 19% do total.

A seleção brasileira é a melhor classificada da América do Sul na pontuação da FIFA. No entanto, apesar dos bons resultados em campo, o país perde em números de jogadoras profissionais praticando futebol organizado para seus vizinhos Argentina, Venezuela e Peru. Em 2019, a Argentina, com apenas um quinto da população brasileira, tinha quase o dobro de jogadoras profissionais jogando futebol organizado. Enquanto o Brasil elas eram 15 mil, na Argentina eram 28 mil. Os Estados Unidos, tetracampeões mundiais no campeonato feminino, tinham 9,5 milhões de mulheres profissionais, cerca de 633 vezes mais que o Brasil.

Ser uma jogadora de futebol profissional no Brasil não é uma tarefa fácil. O futebol profissional feminino era proibido no país até 1979. As mulheres ainda lutam para ter reconhecimento, mais visibilidade e igualdade salarial no futebol. As jogadoras seguem dando muito "chapéu" no preconceito, na discriminação e na falta de apoio econômico. Enquanto a nossa craque Marta, eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo pela Fifa, chega a ter ganhos anuais de 400 mil dólares, de acordo com um levantamento do jornal espanhol "Marca”, Neymar, outro craque do futebol brasileiro, mas que nunca foi eleito melhor jogador do mundo, teve ganhos anuais que beiram 50 milhões de dólares, de acordo com um levantamento da "Forbes".

Para tentar driblar essas desigualdades, algumas ações começaram a ser feitas. Em 2020 a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) equiparou as diárias e premiações pagas a homens e mulheres nas convocações.

A FIFA prometeu igualar os valores pagos para as seleções feminina e masculina nos próximos mundiais. ora de campo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou uma lei, em julho deste ano, que prevê a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre ambos os sexos. Reforçando, mais uma vez, o que já diz a CLT: homens e mulheres não podem ter salários diferentes se exercem a mesma função.

O direito a condições de treinamento adequadas e mais investimento em infraestrutura são pautas urgentes. Assim como todas as áreas da sociedade, a situação da mulher é de inferioridade e desvalorização, herança do patriarcalismo.  A crescente popularidade do futebol feminino se esbarra em um problema maior, que é a forma como o futebol empresa age, por meio da CBF, que se preocupa apenas em exportar jogadores talentosos e não investe nos times pequenos, nas categorias de base, nos talentos de meninos, muito menos de meninas, apaixonados por futebol. Segundo o relatório “Igualdade e inclusão da mulher no esporte: mapeamento das organizações esportivas nacionais e internacionais”, da ONU Mulheres, em parceria com Comitê Olímpico Brasileiro, “incentivar a financiar projetos de apoio à atuação e ao desenvolvimento de meninas e mulheres no esporte é uma recomendação alinhada com o debate global sobre governança e políticas públicas porque o esporte é capaz de oferecer um espaço seguro para a criação de modelos de referência inspiradores, impulsionar igualdade de gênero e fomentar o empoderamento feminino na sociedade em geral”. Mais uma vez, a demagogia das pautas identitárias são utilizadas pelos “donos do mundo” para criar uma falsa ideia de luta pela igualdade de gênero. O Conselho de Segurança da ONU é controlado pelos interesses do imperialismo dos Estados Unidos que fomenta guerras em todas as regiões do mundo, empobrecendo povos e oprimindo, em especial, as mulheres.

O que fica da Copa do Mundo Feminina de 2023 é consciência de que, mesmo com a possibilidade de lucros sobre a participação feminina em uma modalidade de esporte tão popular e rentável, para as mulheres o caminho ainda tem muitos obstáculos. O futebol empresa distorce a função social tão propagada do esporte, como representação das manifestações de ludicidade e criatividade do movimento de um povo. Às mulheres brasileiras, o futebol, paixão nacional, torna-se mais um espaço político em disputa. 
 


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