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De Mossadegh à Raisi: Irã, a abstenção preenchida

Em 1953, uma megaoperação da CIA comprou parlamentares do Congresso Iraniano. Milhões de dólares foram destinados a uma gigantesca campanha publicitária; entidades foram financiadas para preparar o golpe militar que derrubou o Primeiro Ministro, Mohammed Mossadegh, eleito em 1951; o petróleo, que era controlado pela Inglaterra e Estados Unidos, foi estatizado, além de promover inúmeras iniciativas de caráter nacionalista, despertando a ira do imperialismo anglo-americano.

Até a ascensão de Mossadegh, o regime político no Irã era monárquico, de tipo absolutista, governado pelo Xá Reza Pahlevi. Ele era subserviente aos Estados Unidos e odiado pelo povo iraniano. O Primeiro Ministro, por sua vez, era tão popular que o Xá foi obrigado a abrir mão de seu poder quase absoluto, no curto mandato de Mossadegh, que durou entre 1951 e 1953. Com o golpe militar de 1953, o controle do petróleo voltou às mãos da Inglaterra e dos Estados Unidos. A exemplo do que ocorreu no Brasil com a desmascarada Operação Lava Jato e a situação atual em Cuba, a operação Mossadegh tem a peculiaridade de ter sido uma das primeiras ações desencadeadas pela CIA. Naquele período, e até os anos 80, as operações e os golpes eram preparados sigilosamente, ao contrário de hoje, quando as articulações até certo ponto são “abertas”, como pode ser percebido pelo fato de o principal agente da CIA ter estado presente na América do Sul no período que antecedeu as eleições peruanas, ainda sem resultado, e na sublevação em Cuba .

Contudo, no Irã havia um Aiatolá (líder espiritual detentor do poder religioso, que possui mais poder que o próprio presidente) extremamente popular, Ruholah Khomeini, que estava exilado desde 1963, pois se estivesse no Irã teria sido assassinado, já que era um contundente opositor ao Xá. Khomeini passou 15 anos exilado e, de fora do País, organizava a oposição com as principais lideranças do islamismo, cuja força é incomensurável não apenas no Irã. 

A oposição ao Xá Reza Pahlevi contava com os comunistas e socialistas moderados no seu início, mas com o passar do tempo foi perdendo espaço e a direção ficou hegemonicamente com os aiatolás. Em fevereiro de 1979, Khomeini desembarcou em Teerã, capital do Irã, e foi recebido por dois milhões de pessoas que durante 10 dias ininterruptos fizeram manifestações que se espalharam por todo País, sempre com milhões nas ruas. Foram 10 dias que abalaram o Irã: confrontos, mortes, até as forças armadas se dividirem. Soldados passaram para o lado da revolução, o Xá Reza Pahlevi fugiu e se exilou nos Estados Unidos, onde morreu sem nunca mais voltar no Irã.

A Revolução Islâmica, como foi chamada, restabeleceu um projeto anti-imperialista e passa a ser novamente uma “pedra no sapato”, principalmente dos Estados Unidos. 

Em 1989, com a morte de Khomeini, o Irã adotou o modelo parlamentarista que continua em vigor até hoje e é conhecido como Majlis, composto por 290 deputados.

No dia 18 de junho de 2021, realizaram –se eleições no Irã e o imperialismo deu ampla ressonância ao altíssimo número de abstenções, em torno de 51%. O candidato majoritário, Ebrahim Raisi, de vertente anti-imperialista, obteve 18 milhões, 62% dos votos válidos em um universo de 30 milhões de eleitores que participaram.

A campanha teve uma grande interferência externa dos Estados Unidos, com intermediação da Arábia Saudita, enviando milhões de dólares para incentivar os três outros candidatos francos atiradores. O objetivo era desestabilizar a candidatura de Raisi, que no seu programa deixava claro o interesse em intensificar o programa nuclear do Irã, fazer implacável oposição à política do Estado de Israel, retomando o espírito anti-imperialista de Mossadegh.

Importante registrar que o parlamento iraniano é consultivo e não deliberativo e que o cargo do Aiatolá é vitalício – ele é eleito por um conselho de especialistas, composto por 88 membros eleitos diretamente pelo povo, além de comandar as Forças Armadas e a política externa. Entre o Aiatolá e o Conselho de Especialistas existe um Conselho dos Guardiões, composto por doze pessoas, seis indicadas pelo Aiatolá e seis pelo Poder Judiciário. É uma espécie de “comitê central”. Hoje o Aiatolá é Ali Khamenei.

Outro dado fundamental para avaliar as eleições é fato de o voto no Irã ser facultativo. Neste contexto, enganam-se os que imaginam que a abstenção representa falta de legitimidade, apoio ou vácuo de poder. No Brasil, por exemplo, onde o voto é obrigatório, a abstenção tem girado em torno de 30%. Acrescente-se, ainda, a questão da pandemia, que em alguma medida também contribuiu para o aumento da abstenção.

O mundo está em um período onde a disputa de hegemonia entre os diversos imperialismos está acirrada. O Irã sem dúvida é um país que nas próximas décadas exercerá uma influência decisiva nos rumos da humanidade. Não podemos afirmar de que lado ele exatamente estará. Mas temos uma certeza: pela sua história nas últimas sete décadas e pela sua cultura, não estará ao lado do imperialismo estadunidense.


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