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Suicídio de jovem negro na USP e o racismo estrutural da universidade

Nos últimos dois meses, três estudantes de graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) cometeram suicídio.  Os casos retomam a discussão sobre as políticas que as universidades empregam para com seus alunos, seja com relação aos cuidados com a saúde mental, seja com a falta de políticas de assistência, permanência e apoio pedagógico.

Porém, o caso mais recente inclui um componente a esta “mistura”. O jovem estudante Ricardo Lima da Silva, de 25 anos, morreu após se jogar do prédio onde morava no Conjunto Residencial da USP – CRUSP. Segundo amigos e parentes, o jovem sofria racismo e bullying por parte de docentes e outros alunos, e após procurar assistência junto à instituição e ser negligenciado, acabou tirando a própria vida.

De acordo com o portal Geledés, nenhuma atitude institucional foi tomada quando o estudante avisou que iria se suicidar nas escadas do próprio bloco estudantil, onde residia. Ricardo se pendurou no sexto andar e amigos do jovem relataram que não houve nenhum movimento da Universidade para impedir sua ação.

O descaso e o despreparo ficou ainda mais nítido nos relatos de outros alunos, moradores do CRUSP, que afirmaram que um guarda da USP e um profissional de segurança privada da Albatroz Segurança e Vigilância, ambos sem preparo, subiram no andar e ficaram esperando, parados, sem chamar os bombeiros. Também não montaram uma operação, não deixaram uma ambulância à disposição, nem avisaram à Polícia Militar, que tem uma guarita a poucos metros do local. Em suma, não tomaram nenhuma medida visando evitar a tragédia anunciada. Após o jovem se jogar, os vigilantes começaram a gritar e foram os próprios alunos que chamaram uma ambulância e tomaram medidas para socorrer o estudante. A família do jovem recebeu apenas uma notificação de sua morte.

 

Opressão das “falhas” institucionais

 

Paulo Martins, diretor da FFLCH, afirmou em entrevista ao jornal Folha de São Paulo que “é impossível saber o que levou esses jovens a medidas tão extremas para acabar com o sofrimento que sentiam. A pandemia pode ter sido uma situação catalisadora para problemas anteriores e estamos preocupados com a repercussão que esses casos podem ter”. O caso de Ricardo Lima, no entanto, deixa explícito o que o levou ao suicídio: a política de invisibilidade do racismo estrutural que permeia o meio acadêmico brasileiro.

De acordo com um amigo do estudante, que preferiu não se identificar, em relato ao portal Alma Preta, Ricardo tinha consciência do racismo que enfrentava na universidade e atuava na luta contra o preconceito e as injustiças no campus. Em 2019, participou do Novembro Negro, promovido pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, onde questionou as dificuldades para enfrentar a invisibilidade social e a falta de crédito no meio acadêmico, advindas do racismo.

Ao procurar ajuda para vencer essa barreira, através dos meios institucionais, Ricardo deparou-se com a invisibilidade social e, novamente, com o racismo velado imposto à população negra em todas as instâncias. Ricardo não obteve respostas da própria Universidade para os problemas enfrentados na Instituição, perpetrado por pessoas ligadas à USP. Para além do suicídio, o que matou Ricardo foi esse sistema racista, excludente, misógino e homofóbico.

A política de cotas possibilitou a entrada dos jovens negros e periféricos nas universidades, um meio historicamente branco e elitizado, ainda que muito timidamente e aquém de uma política verdadeiramente inclusiva. Contudo, a falta de políticas públicas de permanência, assistência e auxílio financeiro torna esse caminho extremamente difícil de trilhar. Ou seja, aqueles que por ventura consegue entrar nas universidades, dificilmente conseguem permanecer. 

Ricardo foi mais uma vítima de uma estrutura arraigada ao Brasil desde o fim da era escravocrata. Acreditar que o racismo foi vencido com a libertação dos escravizados é dar as costas e invisibilizar todo o massacre físico, mental e religioso que a população negra sofreu, e ainda sofre no País. O combate ao racismo estrutural, e todas as suas perversas ramificações faz parte de um combate diário que não pode ser diminuído, muito menos invisibilizado.

Ricardo Lima da Silva, Presente!
 

Foto: UNEAfro


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