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Revolta dos Malês


A Revolta dos Malês foi um levante de escravizados de maioria muçulmana, que ocorreu em Salvador, na província da Bahia, na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835. Foi o levante de maior relevância dessa província, mas não o único dado a efervescência de revoltas da época. Apenas negros africanos tomaram parte na revolta, que não contou com a participação dos  negros nascidos no Brasil, chamados de “crioulos Além da liberdade de ir e vir e do caráter político-social em que estavam inseridos os Malês, a revolta também tinha como pano de fundo os problemas político-religiosos em África.

O levante se deu  no período pós-independência do Brasil, ocorrida em 1822. Com a ascensão dos engenhos de açúcar e da produção de tabaco para a exportação para a Europa, que colocaram a região da Baía de Todos os Santos em evidência nacional, muitos negros africanos foram traficados para a região para trabalharem nestes locais. Além da cultura de café e tabaco, os negros trabalhavam em várias atividades urbanas, como alfaiates, vendedores, pedreiros, sapateiros, barbeiros, entre outros ofícios. Pela facilidade de circulação enquanto estavam à trabalho para seus senhores, e pelo fato de serem muçulmanos alfabetizados, os revoltosos conseguiam se comunicar com maior facilidade e assim, organizar a revolta.

A própria revolta tem um caráter de sincretismo religioso muito forte. O mês escolhido foi janeiro por ser o mês sagrado do Ramadã, quando os muçulmanos fazem Jejum. Já o dia da revolta, 25 de janeiro, é para os cristãos o dia de Nossa Senhora da Guia. A revolta incluía, ainda, negros que professavam o Candomblé como religião.  

Revolta

A revolta estava planejada para acontecer logo pela manhã do dia 25, quando a maioria da população iria para a igreja do Nosso Senhor do Bonfim, o que deixaria o centro da cidade vazio. Os Negros foram para a batalha vestindo um camisão de mandinga, vestimenta tipicamente muçulmana, além de amuletos malês nos pescoços e bolsos. Muitos também carregavam passagens do alcorão, livro sagrado do Islã. Os amuletos eram feitos por artesãos malês, em sua maioria, líderes do levante, como forma de abençoar aqueles que se dirigiam para a vitória. 

A ideia era começar quando os escravizados saíssem para buscar água nas fontes publicas, facilitando o encontro dos envolvidos. Após o início da revolta, focos de incêndio serviriam como distração para a polícia, enquanto os negros seguiriam para as regiões de Vitória, Conceição da Praia, Taboão, Pilar e terminaria em Bonfim. Em cada um desses locais, haviam grupos esperando para se juntar à marcha. Porém, a revolta foi denunciada no dia anterior, o que levou as autoridades a reforçarem o policiamento na cidade, além de avisar todos os “juízes de paz” (magistrado sem formação jurídica que exerce funções de conciliação ou menores) da cidade.

O principal confronto da revolta ocorreu na região da ladeira da praça, em que oficiais entraram em confronto com cerca de 60 homens. Após a batalha, os revoltosos marcharam para a câmara municipal, onde um dos seus líderes, Pacífico Lícutan, era mantido preso e seria leiloado para saldar dívidas de seu senhor. Neste momento, várias batalhas eclodiram pela cidade em pontos diferentes, mas a última delas acontece quando os revoltos se deparam com o batalhão de cavalaria na região Água dos meninos. Nela, os malês são derrotados e levados a julgamento.

Quando o levante chegou ao fim, oito líderes foram identificados: os escravizados Ahuna, Pacifico Lícutan, Sule ou Nicobé, Dassalu ou Damalu, Luís Sanim e Gustard, além dos libertos Manoel Calafate e Elesbão do Carmo. Importante salientar o papel de Luiza Mahin na revolta dos Malês. Mãe do poeta e abolicionista Luiz Gama, Luiza teve participação importante em várias outras revoltas na Bahia e conseguiu escapar da violenta repressão desencadeada pelo Governo da Província, partindo para o Rio de Janeiro.

Motivos e consequências

Muito se debate sobre os motivos da revolta que, indubitavelmente estão relacionados à escravidão que submetia a população negra à péssimas condições de trabalho e à ausência de direitos sociais e políticos, no contexto de um estado monárquico autoritário e escravocrata que permaneceu após a independência. Especula-se que a revolta dos malês teve como base a revolução haitiana, onde os negros escravizados se revoltaram e mataram todos os colonos franceses do país, fundando um estado negro fora da África, a primeira República negra da História.

Como consequência da revolta, os negros africanos passaram a ser vistos como uma ameaça, mas, paradoxalmente, continuavam a ter grande importância devido à força de trabalho especializado que compunham. A revolta foi brutalmente combatida, e aqueles que foram levados à julgamento sofreram as mais diversas penas, desde a deportação de volta à África, até a pena de morte. Quatro execuções foram realizadas pelo batalhão de fuzilamento. Muitos revoltosos sofreram penas de açoites, que variavam entre 300 e 1200 chibatadas e eram distribuídas em doses para que não morressem de uma vez.

A revolta também forçou muitos negros a abandonarem a religião islâmica e professarem o catolicismo devido a perseguição que foi instaurada após a revolta. Muitos negros foram presos e torturados apenas por serem muçulmanos, sem ter ligação comprovada com a revolta.

Em longo prazo, o levante dos Malês ajudou a enfraquecer o sistema escravocrata, tendo repercutido em todo o país através da imprensa da época. Por ter ocorrido em uma capital em evidência, vista como um lugar mais seguro para os brancos, o levante dos malês deu visibilidade à resistência do povo negro, sua capacidade de organização, a luta diária para conquistar a liberdade e a insatisfação com as condições de vida a quais estavam submetidos.
 


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