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Enem na pandemia: risco e segregação

Após concluírem a prova do primeiro dia da aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020, ocorrido nesse domingo (17/1), milhares de estudantes denunciaram nas redes sociais que o distanciamento social não foi respeitado nessa primeira etapa. Segundo as denúncias, a aplicação da prova foi marcada por aglomerações e desrespeito às normas sanitárias. Os relatos mais comuns, em diferentes locais no Brasil, indicam que a distância entre as mesas dos candidatos era menor que o recomendável; não havia álcool em gel disponível na entrada de todas as salas de aula e em algumas salas sequer tinham janelas e ventilação adequada. 

Também foram relatados, problemas gerais de organização. A União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), alertou sobre casos de estudantes em Santa Catarina, Paraná e São Paulo que não puderam fazer as provas porque os locais de aplicação estavam lotados. Os aplicadores alegaram superlotação das salas, que ocorreu após questionamentos na justiça sobre a capacidade de garantir o distanciamento dos alunos durante o teste. De acordo com reportagem do Estadão, os planos incluíam salas com até 80% de ocupação, acima dos 50% previstos pelo MEC (Ministério da Educação). 

Dezenas de alunos que fariam o Enem na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) foram orientados a voltar para casa. Houve, inclusive, a formação de filas onde funcionários da Cesgranrio, fundação que organiza a aplicação do exame, fizeram uma lista com nome de quem não pode fazer o exame, com a promessa de que poderiam realizar o teste em fevereiro. Os candidatos, nesses casos, foram informados de que farão a prova nos dias 23 e 24 de fevereiro, mesma data prevista para aplicação do exame no Amazonas, onde a realização do Enem foi adiada por conta do colapso sanitário da última semana. 

O assunto ganhou grande repercussão nas redes sociais, tendo em média 5 postagens por minuto no Twitter, com menções às palavras Enem e distanciamento. Na verdade, além do impedimento de alguns estudantes à prova, um certo distanciamento só foi garantido porque parte significativa dos candidatos não compareceu à prova. Quase três milhões de inscritos não se apresentaram às salas de aula, o que significa uma taxa recorde de ausência entre todas as edições da avaliação, de 51,5%. Ainda assim, o Ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou à imprensa que, “para os alunos que puderam fazer a prova, ela foi um sucesso”. 

A insistência do MEC em manter a prova no momento em que a situação da pandemia se agrava no país, contrariando mais de 20 ações na Justiça que tentaram adiar a realização do Enem, por conta dos riscos de aglomerações na pandemia, é mais um capítulo da política genocida do governo Bolsonaro que despreza os riscos e a prevenção do contágio do coronavírus. Não houve provas em apenas 58 cidades brasileiras, a maioria no Amazonas, onde a saúde pública entrou em colapso.

Outra questão fundamental que envolve essa edição do Enem está relacionada ao processo de exclusão dos alunos da educação pública, prejudicados pela suspensão das aulas presenciais e pela imposição do ensino à distância sem que lhes fossem oferecidas condições de participar das atividades remotas. Além do medo da contaminação, o abandono escolar ou o desânimo de concorrer com alunos de escolas privadas, cujo processo de aprendizagem não foi interrompido com o ensino remoto, ajudam a explicar a alta taxa de desistência. A edição deste ano contou com elevada quantidade de inscritos não pagantes, cerca de 80%. 

Em 2020, quando o próprio Tribunal de Contas da União, parlamentares de oposição, instituições de ensino superior e a UNE, afirmavam que a manutenção das provas nesse período especial de aulas suspensas aprofundaria as desigualdades entre os estudantes das escolas públicas e aqueles de instituições particulares, o ainda ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que o exame “não existe para corrigir injustiças sociais”.

O ENEM representou, para milhões de jovens da classe trabalhadora, a única possibilidade de ingresso ao Ensino Superior de qualidade. Ainda que elitista, devido ao pequeno número de vagas nas universidades públicas onde estão os cursos mais concorridos, o exame reduziu as desigualdades características dos vestibulares. Manter a prova durante a pandemia foi uma perfeita jogada do governo federal para levar adiante seu projeto de barrar o acesso dos mais pobres ao Ensino Superior público e de qualidade. Além de inviabilizar o acesso ao conhecimento para os filhos da classe trabalhadora, esse plano visa retirar das universidades públicas a parcela mais interessada na luta em sua defesa.
 


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