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Trump, as eleições e a farsa da democracia

No último dia 6 de janeiro os Estados Unidos presenciaram cenas que geralmente causam em outros territórios: um grande grupo de apoiadores do presidente Donald Trump invadiu o Capitólio, centro legislativo do país, acusando as eleições de serem fraudadas e exigindo que o ex-presidente fosse reconduzido ao cargo. Cenas de depredação foram vistas em tempo real e, segundo informações oficiais, quatro pessoas foram assassinadas. A última invasão ao Capitólio ocorreu em 1814, quando britânicos tomaram o local após o início, em 1812, da Guerra Anglo-Americana — de caráter predominantemente comercial — e colocaram fogo no prédio.

O protesto não adiantou. Na madrugada do dia 7, o Congresso estadunidense ratificou a vitória de Joe Biden. Em nota de imprensa, Trump afirmou que haverá uma transição ordeira no dia 20 de janeiro. Importante ressaltar que nem seu próprio vice-presidente, Mike Pence,  apoiou o ex-presidente: “O anúncio do estado da votação pelo presidente do Senado será considerado uma declaração suficiente para as pessoas eleitas presidente e vice-presidente dos Estados Unidos para o mandato que começa no dia 20 de janeiro de 2021 e será inscrito junto à lista de votos nos jornais do Senado e da Câmara dos Representantes”, anunciou, após o término da contagem.

 

A mais forte democracia do mundo?

 

Os Estados Unidos se alardeiam como a democracia mais sólida do mundo, com respeito às instituições, ao federalismo, à Constituição. Mais que isso, promoveram inúmeras invasões mundo afora para levar este modelo de democracia capitalista, ocidental e corrupta à vários outros países, principalmente àqueles que contrapunham seus ditames político-econômicos ou que deram a má sorte de estarem localizados sobre um campo de petróleo ou qualquer outra mercadoria ou matéria-prima de interesse dos estadunidenses. 

Porém, a recusa do ex-presidente em assumir a derrota eleitoral culminando na invasão ao capitólio por seus apoiadores, em um grupo que incluía neonazistas e supremacistas brancos, é uma prova da inexistência de garantia de respeito a qualquer instituição. Mais que isso, no último dia 3 de janeiro, Trump ligou para Brad Raffensperg, secretário de Estado da Georgia, tentando o coagi-lo a “encontrar” 11.780 votos a mais a seu favor, o que lhe daria a vitória no estado, historicamente republicano. O secretário, não cedeu à pressão. Porém, as ameaças do ex-presidente explicitam, mais uma vez, a corruptibilidade da democracia local. Além disso, vale lembrar que na Geórgia houve, no dia 5 de janeiro, eleições parciais para o Senado que elegeu dois senadores democratas. Isso garantiu à Biden a maioria democrata no órgão,  proporcionando, certamente, mais facilidade para governar.

Outro flagrante momento de falência da democracia foi a forma com que a polícia tratou os neonazistas e supremacistas brancos na invasão ao Capitólio. Apesar da morte das quatro pessoas, o braço armado do Estado cedeu tanto quanto pode. Um dos líderes da invasão, Jake Angeli, auto representado Q Shaman, cujas fotos, fantasiado com pele de animal com chifres, rodaram o mundo, não foi preso. De acordo com o próprio Shaman, em entrevista veiculada pelo Globo, ele  afirma ter sido convidado educadamente por policiais a se retirar. Muito diferente das ações nas manifestações que marcaram os Estados Unidos ano passado, que massacrou manifestantes negros que lutavam justamente contra a truculência policial. Digno de nota que as manifestações ano passado eram em ruas públicas e não invadindo um dos principais centros políticos do país. 

 

E agora?

 

Os Estados Unidos se auto-proclamam os maiores defensores da democracia e, em nome dela, o país impulsionou inúmeros golpes de Estado em várias regiões do mundo. E quase passou pelo mesmo. Em entrevista a Época, o professor de governabilidade da Universidade Harvard, Steve Levitsky, autor do livro “Como as Democracias Morrem”, o que Trump tentou foi um auto-golpe, semelhante aos que ocorrem na América Latina. Para ele, “a grande diferença entre esse autogolpe e os autogolpes na América Latina é que Trump foi completamente incapaz de obter o apoio dos militares" e "um presidente que tenta permanecer no poder ilegalmente sem o apoio dos militares tem poucas chances de sucesso”. 

A essa análise acrescentamos o imperialismo. Não houve ingerência externa, ou seja, uma pressão política e econômica de uma grande potência mundial para que houvesse um golpe de Estado ali, uma vez que a maior potência impulsionadora de golpes são os próprios Estados Unidos. Internamente, para a burguesia imperialista estadunidense, Biden representará as mudanças necessárias aos seus interesses, dada a sua pretensa firmeza em relação à política externa, em um momento em que a economia do país se deteriora. Se, porventura, fosse um candidato que contrariasse estes interesses, o protesto seria, sim, apoiado pelo exército e pela burguesia estadunidense e poderia se transformar em um golpe. Obviamente, as eleições são fortemente controladas para se evitar chegar a esse ponto.

No Brasil, fica o alerta. A retórica antissistêmica de Trump é a mesma de Bolsonaro.  Para eles, o desrespeito às instituições é o jogo político para garantir os interesses daqueles a quem representam. Em 2022, caso Bolsonaro seja derrotado nas urnas, é provável que tente fazer uma invasão ao Congresso em Brasília, já que vem imitando, como uma marionete, tudo que faz Donald Trump. É necessário, desde já, se precaver, mobilizar e lutar contra a necropolítica da extrema-direita. Aqui, prevalece a força do imperialismo. Aqui um golpe de Estado é viável. 
 


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