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Entrevista com Maria Dantas, brasileira eleita para o Parlamento Espanhol

O Jornal Gazeta Operária (JGO) entrevistou Maria Dantas, 50 anos, do Partido Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), a primeira brasileira a ser eleita como deputada para o Parlamento Espanhol. Sergipana vivendo na Espanha há 25 anos, assumiu a bandeira do antifascismo, do feminismo, dos excluídos, dos imigrantes, dos ambulantes, dos exilados, do povo negro, indígena, LGBTQI+ e das mulheres como pauta política.

 

JGO: No último dia 10 de novembro houve a eleição para o parlamento espanhol. Qual sua avaliação destas eleições?

Maria Dantas: Primeiro é preciso entender que o sistema eleitoral na Espanha é diferente do Brasil, porque aqui não se vota em candidatos em específico, mas na chapa formada pelo partido. Assim, aqueles que querem votar na Maria, votam em toda a Chapa que é composta pelo Partido.

Nossa avaliação é que houve um crescimento da extrema-direita, que conseguiu superar o dobro das suas cadeiras no Parlamento. Na primeira eleição, em 28 de abril deste ano, o partido de extrema-direita (Vox) ganhou 24 cadeiras de deputados e deputadas, nesta eleição, chegou a 52 cadeiras, o que considero uma barbaridade, pelo perfil que essa extrema-direita tem. São traços do fascismo, que está nas ruas batendo em pessoas negras, em imigrantes – uma história que está diretamente ligada ao período franquista, ao machismo, ao racismo, à lgbtfobia, etc., que instiga a violência e que anima as milícias nas ruas.  

O Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE), que tem Pedro Sánchez como seu representante, um partido de centro, obteve a maioria de votos nas eleições de abril, mas não a maioria necessária para formar o governo. Optou, então, por não fazer aliança com a esquerda e chamou novas eleições, acreditando num crescimento de votos que acabou não acontecendo. Ao contrário. Os votos diminuíram e ainda possibilitou o crescimento dos partidos de direita e da extrema-direita. Entre uma eleição e outra foram apenas cinco meses de legislatura.

A esquerda espanhola, Unidas Podemos, é formada por um grupo parlamentar de vários partidos, como o Podemos. O resultado dessa segunda eleição é um encolhimento do centro e da esquerda e um vertiginoso crescimento de dois partidos, de direita, o Partido Popular (PP), fundado por um ministro de Franco, e o da extrema-direita, o VOX. Outro partido, Ciudadanos, que é uma representação da direita liberal, praticamente perdeu todas as cadeiras no parlamento, ficando com apenas 10 deputados.

A opção de Pedro Sánchez (PSOE) em não fazer aliança com os partidos de esquerda na primeira eleição acabou por ampliar a mobilização de votos em partidos de direita, polarizando ainda mais a situação política. Neste momento, o PSOE anuncia que foi assinado um acordo de governo com o Unidas Podemos, de esquerda, mas que ainda assim não tem maioria, necessitando de outras articulações, com outros partidos menores, para assegurar uma maioria no governo.

JGO: Quais as principais perspectivas para esquerda espanhola com o resultado das eleições?

Maria Dantas: A situação da Espanha é muito complexa, tendo em vista seu modelo político de monarquia parlamentar, dividida entre comunidades autônomas, plurinacional, que nunca reconheceu totalmente a sua plurinacionalidade. Para se falar de política na Espanha é preciso falar de política setorializada. Para se ter ideia de como isto se organiza, posso citar alguns exemplos do processo eleitoral. Quem ganhou as eleições na Catalunha foi a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), que é o partido no qual faço parte, que terá no congresso 13 deputados e deputadas, e nesta legislatura será a terceira força no Senado. Quem ganhou as eleições na Espanha foi o PSOE, que é um partido de centro. Neste sentido, vale destacar que, aqui na Catalunha, o povo sempre votou diferente de como vota o restante do País.  Basta ver a cor do mapa de votação da Catalunha, totalmente pintado de amarelo, que é a cor do ERC. A Catalunha nestas eleições, como nas demais, votou majoritariamente na esquerda, soberanista e/ou independentista.

Nesta disputa eleitoral tivemos ainda a entrada de outro ator político, representante da esquerda socialista, que foi a Candidatura de Unidade Popular (CUP), partido de esquerda independentista, que será representado com dois deputados. O partido soberanista da Catalunha, formado pela direita liberal, Juntos Pela Catalunha, ganhou mais deputadas e deputados. Neste sentido, os partidos soberanistas e independentistas saem fortalecidos do processo eleitoral e continuam na resistência. Infelizmente, as esquerdas pelo restante da Espanha estão sendo massacradas pela extrema-direita.

JGO: Em sua opinião, quais as principais implicações do processo eleitoral para a independência da Catalunha?

Maria Dantas: Primeiro vale ressaltar que o partido ERC tem uma ideia muito clara do que é direito de autodeterminação dos povos, que não é o direito para alguns povos determinados. É um direito para todos os povos do mundo, inclusive sendo coerente com o que diz a Carta dos Direitos do Homem e do Cidadão da Organização das Nações Unidas (ONU) e os Pactos Internacionais de Direitos Humanos, de 1966.

Nossa proposta é sentar e dialogar com o governo espanhol. Sendo um diálogo aberto e em condições para que se possa falar, sobretudo sobre a anistia aos sete políticos e dois ativistas sociais, condenados com uma sentença de um século de cárcere. Numa democracia é impensável que haja presos e presas políticas pelo fato de pensar de forma diferente. Essa acusação particular foi feita pelo partido de extrema-direita, VOX. Temos pautas para a mesa de diálogo com o governo, que é a questão da anistia de todas as pessoas presas e exiladas. Vale observar que várias indicações da União Europeia, saindo dos tribunais espanhóis, exigindo a extradição dos ativistas exilados, não foram atendidas, pois os crimes a que estão sendo imputados na Espanha não são crimes em outros países europeus.

A Espanha ainda não fez a revisão do seu regime, que começa com o fim da ditadura franquista. Temos uma fraca democracia, o franquismo e suas fundações autoritárias e antidemocráticas continuam presentes em uma parte do judiciário, por exemplo, com uma Audiência Nacional, um Tribunal ideologizado, sucessor do “Tribunal de Orden Público” da época de Franco. Aqui existe um Supremo Tribunal e, além dele, existe um tribunal de exceção, chamado Audiência Nacional, onde basicamente estes ativistas e artistas são condenados.

O que tem acontecido aqui na Catalunha está sendo silenciado no restante do mundo. O Estado espanhol, a mídia hegemônica e os poderes fáticos do IBEX35 (a FIESP do Brasil) fazem um enorme softpower e as muito do que se passa aqui não chega a outros lugares. Peço para ampliar o olhar à Catalunha, ainda mais porque se pensa que a Europa é “primeiro mundo”, possui uma democracia “superior”, e essa é uma visão com resquícios da colonização. Tenta-se criar uma ideia de que na Europa é impossível que haja repressão, que haja violência, que não dão “porrada” nos cidadãos. O que estamos vendo nas ruas é repressão policial, muita “porrada”, olhos perdidos por bala de borracha, cabeças abertas, hematomas.

O diálogo é mais que necessário, pois o que está em jogo é a nova governabilidade da Espanha. Foram quatro eleições em quatro anos. Está claríssimo que a Catalunha é um ponto crucial para a governabilidade da Espanha. O partido já acenou ao PSOE que não quer bloquear um governo de centro-esquerda, porém, não vamos dar em vão os nossos votos, pois temos companheiros na prisão e exilados por lutar por democracia. Temos assistido à polícia, enviada de vários lugares da Espanha, atuando com uma violência extrema contra a população da Catalunha, sobretudo contra jovens e estudantes (vide 1º de outubro 2017). É preciso sentar e negociar as condições, considerando a situação atual da Catalunha.

JGO: Você vê aproximações entre o avanço da direita na Espanha com o momento que temos hoje no Brasil? Quais os principais desafios?

Maria Dantas: Vejo muito dos anos 30 na Espanha de hoje; também existe uma espécie de coesão internacional de extrema direita, passando pelos Estados Unidos, Itália, França, Hungria, Alemanha, Brasil, etc. Vemos a criação de um think tank da extrema-direita europeia, The Moviment, com a ajuda do Steve Bannon, e sede em Bruxelas – Bélgica, que visa formar extremistas no mundo inteiro. A proposta é articular neofascistas, partidos, associações e plataformas de extrema-direita no mundo.

O grande desafio e uma solução é a unidade de ação. Sim, unidade, que não significa uniformidade. É preciso criar ações entre associações, grupos, movimentos que possam se juntar com partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, com vários coletivos com objetivos comuns, neste caso contra o fascismo, o racismo, contra o negacionismo das mudanças climáticas e contra o machismo. A resposta está nas ruas, na unidade contra o fascismo e o racismo.

Em nível institucional, seremos uma pequena pedra, mas uma constante e dolorosa “pedra no pé” das direitas e da extrema direita espanhola. Faremos contraposição forte contra o VOX. É preciso construir uma frente ampla contra a extrema direita no Congresso Espanhol. As bases desta frente é a unidade contra o fascismo e o racismo (UCFR). Uma plataforma contra o avanço dessas pautas e suas políticas, por isso uma das nossas campanhas atuais é #StopVOX a nível de toda Espanha.


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