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A ruína da ordem neoliberal

A ordem neoliberal, mantida por força de armas e golpes parlamentares, está “em coma” nos últimos 20 anos. Com um presidente cuja política está próxima ao fascismo, o império estadunidense dá sinais de colapso. A dívida pública, por exemplo, gira em torno de US$23 trilhões. Para conseguir se manter minimamente,  os Estados Unidos buscam deixar a América Latina na situação de seu “quintal”, ampliando os mecanismos de controle sobre os governos do subcontinente.

Desde a consolidação da independência dos EUA, a política imperialista teve como objetivo garantir que todo o continente americano estivesse sob o seu controle, direta ou indiretamente. A “Doutrina Monroe”, promulgada em 1823, foi a declaração mais sucinta dessas intenções: “América para os americanos”, ou seja, que os europeus fossem expulsos da América e jamais voltassem para colonizá-la novamente. Porém, a maneira correta de se ler a doutrina é “América para os estadunidenses”. Tudo entre o Atlântico e o Pacífico deveria estar sob o controle de uma só potência,  os Estados Unidos.

A supremacia estadunidense foi mantida pela força de armas. Nos quase 200 anos que se seguiram à proclamação da Doutrina Monroe, a história da América Latina foi de revoluções trucidadas na ponta de baionetas, com exceção de Cuba, que conseguiu se manter independente após o fim do apoio da antiga URSS e apesar do bloqueio econômico e dos ataques terroristas promovidos pelos Estados Unidos desde 1959.  

No Brasil, antes de 2016, quando o governo de Dilma Rousseff, eleito pelo povo, foi derrubado por um golpe parlamentar, o povo já havia assistido, em 1964, a deposição de João Goulart, por meio de um golpe militar instigado pelos EUA. Durante este período da década de 1960, em não muito mais que dez anos, quase todos os países latino-americanos haviam sofrido golpes, reveses ou mesmo investidas militares, por ordens ou anuência do Império dos EUA. A ordem neoliberal, cujas orientações vinham da Escola de Chicago, foi imposta pela força das armas e das agências de espionagem.  E foi exatamente devido à crise dessas políticas neoliberais que, no início desde século XXI, o subcontinente viu, por um lado, emergir líderes de centro-esquerda com políticas de conciliação com a burguesia e, por outro, a concessões aos trabalhadores. Porém, a crise sem precedentes do capitalismo mundial, iniciada em 2008, levou à derrocada desses governos, não sem reação, como as eleições na Argentina e a turbulência no Peru e Equador mostram.
 

Equador: América Latina em chamas

 
Rafael Correa foi presidente do Equador de 2007 a 2017. Suas políticas de centro-esquerda, nacionalistas, com tentativas de realização de justiça social por meio da transferência dos recursos do Estado, foram muito populares. Os dez anos da sua presidência foram estáveis, se comparados à instabilidade crônica do País. Com o fim do seu último mandato, ele não estaria apto a concorrer novamente por causa do limite constitucional de eleições, e, portanto, nomeou seu sucessor, Lenin Moreno, para carregar a tocha.

Lenin Moreno se elegeu em 2017 e, assim que chegou ao poder deu “meia volta” em todas as políticas de Correa: iniciou um processo de privatização e de reformas neoliberais no País, e tornou-se lacaio dos Estados Unidos. É importante lembrar que Julian Assange, o jornalista perseguido pelos EUA por revelar segredos de Estado pelo site Wikileaks, estava abrigado na embaixada do Equador, em Londres, e foi Moreno quem finalmente abandonou o jornalista à sua própria sorte. Moreno, inclusive, orquestrou um plebiscito viciado para impedir a reeleição de Correa nas próximas eleições de 2021. Mas grande impopularidade das políticas neoliberais e o completo descaso de Moreno com as populações indígenas deram início a uma intensa revolta no País.

Protestando contra o aumento nos preços da gasolina, devido à retirada de subsídios, a população equatoriana se sublevou e agora está em revolta aberta. A capital, Quito, foi tomada por estudantes, trabalhadores e indígenas, o que fez Moreno transferir a capital para Guayaquil, mais ao sul e decretar estado de sítio. A Polícia e o Exército têm agido de forma truculenta para reprimir os manifestantes e o número de mortos e desaparecidos aumentam a cada dia em que a Greve Geral e os protestos se mantêm. A luta aberta no Equador demonstra que não se trata apenas de uma mera troca de governos ou mesmo do retorno de Correa, pois a ordem neoliberal tornou-se intolerável. Por isso, mesmo com o recuo de Lenin Moreno, que revogou a lei que elevou o preço da gasolina no dia 14 de outubro, a população continuará nas ruas para defender seus interesses de classe contra a opressão e a exploração imposta pelos capitalistas.

 

 Peru e Argentina
 

No Peru, o congresso tomado por fujimoristas, nome dado à vertente autoritária do neoliberalismo peruano, tentou manobrar em torno do presidente, Martín Vizcarra, para ter mando livre sobre a política peruana e manter sua posição privilegiada no regime. Vizcarra, na tentativa de manter o seu poder, entrou em luta aberta com o Congresso, utilizando uma manobra constitucional para fechá-lo e convocar novas eleições parlamentares. Em suma, a ordem neoliberal no Peru está em violento conflito interno, buscando controlar as sobras do sistema corrupto e injusto.

Na Argentina, Macri está por um fio: protestos diários em meio à inflação astronômica. Macri é talvez o representante perfeito da ordem neoliberal – branco e rico, a face oficial do neoliberalismo. No poder, em oposição ao Partido Justicialista, de Cristina Kirchner, Macri se vendeu como candidato que iria fazer a economia “funcionar”, atendendo aos interesses do mercado internacional. De fato, a economia argentina está em maus lençóis há 20 anos, mas a completa destruição do poder aquisitivo popular que ocorreu no governo Macri é sem precedentes.

Após ter contraído dívidas imensas com o FMI, em busca de pagar dívidas anteriores, a Argentina está à beira da falência, tendo declarado moratória recentemente (quando um país atrasa ou suspende um pagamento relacionado à dívida externa). O povo passa fome e Macri usa da truculência para se manter no poder. A resposta do povo Argentino, que coloca a chapa de Cristina Kirchner como a favorita para ganhar as eleições de 2019, mesmo com apoio do setor mais direitista do peronismo, mostra um revés certeiro no projeto neoliberal que não consegue se manter no poder, nem mesmo com as condições de completo controle do País.

Fato é que o retorno do neoliberalismo nos fins da década de 2010 e, agora, a série de manifestações populares contra sua imposição é um indicativo revelador: trata-se do último suspiro desta ideologia perversa, sua última tentativa de controlar a política e a economia latino-americana.

No Brasil, diante da iniciativa popular em eleger o ex-presidente Lula, a burguesia se viu obrigada a colocar Bolsonaro no poder, uma “aberração política”. A impopularidade do governo só aumenta dia-a-dia. Portanto, o grande problema à saída de crise está nos próprios partidos de oposição, a chamada esquerda frente popular, cuja concepção política é de conciliação com a burguesia neoliberal, o que faz com que esses partidos se transformem em veículos de contenção das massas ao invés de impulsionar as litas contra o capitalismo. Cabe às organizações dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda agirem, com os métodos da luta de classes, para transformar toda a revolta popular que se expressa de diferentes formas, em cada país, em uma luta contra o sistema capitalista e pela emancipação da classe trabalhadora.
 


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