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“O Conto da Aia”: o que está por vir com o avanço da extrema-direita

Medo, raiva, estupor, aflição e angústia. Estes são alguns dos sentimentos básicos que toda mulher sentirá ao assistir a série “O Conto da Aia”, inspirada no livro “The Handmaid's Tale” (“O Conto da Aia” ou A “História de Uma Serva”), da autora canadense Margaret Atwood, considerado um dos maiores romances de apelo feminista das últimas décadas. Ambientado na República de Gileade, fronteiras do que anteriormente eram os Estados Unidos da América, a obra retrata um país imaginário que, num futuro próximo, vive sob condições de extrema opressão e privação. A temática central do livro e da série é discutir a subjugação das mulheres e os vários meios pelos quais elas perdem individualismo e independência.

Gileade é uma sociedade cristã militar governada pela “lei divina”, onde a palavra de Deus, incluindo as leis judiciais do Antigo testamento, deve ser cumprida ao “pé da letra”, incluindo-se, inclusive, as mutilações e torturas. Nesta sociedade “imaginária”, os direitos humanos são extremamente limitados, sendo as mulheres as vítimas primordiais.

Na trama, a República de Gilead surge com vários grupos extremistas religiosos que acreditavam que a América precisava ser "salva" do pecado e da corrupção e se uniram em uma única conspiração que se referiu a si mesma como "Os Filhos de Jacó". Por fim, os Filhos de Jacó planejaram e executaram um elaborado golpe de Estado contra o governo dos Estados Unidos, atacando ao mesmo tempo a Casa Branca e o Congresso.

Atribuindo os ataques a "fanáticos islâmicos", o exército declarou “estado de emergência” e Gilead foi declarada como o Estado sucessor dos Estados Unidos da América. O novo regime, em veloz sucessão, suspende a Constituição, congela contas bancárias e demite todas as mulheres empregadas. Começam também a caçar qualquer um que consideravam ameaça: ativistas políticos, médicos, membros de outros grupos religiosos, minorias de gênero e intelectuais.

A história é contada em primeira pessoa, por uma mulher chamada Offred (literalmente Of-Fred). A personagem é parte de uma classe de mulheres conhecidas como "aias" que, por serem férteis, se tornaram propriedade do Estado e escravas sexuais. Elas eram mantidas para fins reprodutivos pela classe dominante, já que os nascimentos estavam em declínio devido à esterilidade provocada por poluição e doenças sexualmente transmissíveis.

Segundo a própria Margaret Atwood, tudo que descreve no livro tem respaldo histórico e já aconteceu no passado: acontecimentos descritos na Bíblia, a Revolução Iraniana de 1978-1979, a estourada contra o feminismo nos anos 1980 etc. Tais fatos fazem com que a autora não considere sua obra mais famosa como uma ficção. O “Conto da Aia” é uma distopia criada como uma espécie de aviso, que mostra atuais convenções sociais com seus limites elevados às últimas consequências, e que está intimamente ligada à sociedade atual. Isto é o que realmente amedronta: a triste proximidade com a atualidade, um grupo extremista que chega ao poder com a promessa de “salvar” a população do pecado e da corrupção.

 

Brasil

 

No dia 11 de julho deste ano, durante importantes votações, no mais importante órgão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, o governo brasileiro, em várias votações sobre direitos sexuais e das mulheres, defendeu posições ultraconservadoras de países de maioria islâmica, em grande parte com governos autoritários, contrastando da quase totalidade das nações europeias e ocidentais.
O governo votou a favor, por exemplo, da proposta de emenda sugerida por Bahrein e Arábia Saudita, monarquias absolutistas do Golfo Pérsico, historicamente ligadas ao imperialismo, para enfraquecer recomendação de educação sexual, alterando o texto para não mais recomendá-la “de acordo com a maturidade apropriada” de crianças e adolescentes, mas para torná-la dependente da “devida orientação dos pais e guardiões legais”. Também apoiou a proposta do Paquistão que sugeriu retirar de uma resolução da ONU a recomendação de “garantir o acesso universal à educação abrangente sobre sexualidade baseada em evidências”.

Já em uma resolução contra o casamento infantil e forçado, o Brasil votou a favor de uma emenda proposta pelo Egito, uma ditadura militar, e Iraque para excluir do texto uma referência “ao direito à saúde sexual e reprodutiva”. Com base em avaliações religiosas, o Brasil passou a rejeitar termos como “direitos sexuais e reprodutivos”, “igualdade de gênero” e outras palavras que possam contradizer a uma visão religiosa de reprodução, homens e mulheres.

A justificativa do governo para tal posicionamento é de que o termo "gênero" não faz parte da Constituição, que apenas usa os termos "igualdade entre homens e mulheres" e quanto aos direitos sexuais, o temor é de que o termo abra brechas para uma avaliação positiva do aborto.

Em todos os casos, o Brasil foi derrotado junto ao grupo de países fundamentalistas islâmicos, encabeçado por Arábia Saudita, Egito e Paquistão. A diplomacia brasileira também causou polêmica ao se abster em votação que aprovou investigação sobre as execuções extrajudiciais e sumárias nas Filipinas, governada pelo extremista de direita, Rodrigo Duterte.

Para citar um exemplo de como o posicionamento dos governantes refletem diretamente em nossa sociedade, no último dia 17 de julho, a justiça gaúcha absolveu, por unanimidade, um motorista de aplicativo após ele ter sido condenado pelo estupro de uma mulher. O homem já havia sido condenado a 10 anos de prisão pelo ato, mas, usando a tática cruel de culpabilização da vítima, desembargadores da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), inocentaram o réu atribuindo à vítima a culpa por ter sofrido violência sexual devido ao fato de ela ter ingerido bebida alcoólica.
Os magistrados afirmaram que a vítima “admitiu o consumo de álcool naquele dia, o que ocorreu por sua livre e espontânea vontade”, que por vezes ela se “colocava nesse tipo de situação de risco, ou seja, de beber e depois não lembrar o que aconteceu”. Uma decisão como esta, tomada pela Justiça, é uma demonstração da política institucional de opressão da mulher.

O debate levantado pelo livro e pela série é uma crítica extremamente atual. O avanço da extrema-direita passa, necessariamente, pelo ataque impiedoso contra as mulheres, um setor expressivo da classe operária. Não podemos guardar ilusões, a volta da idade das trevas, o obscurantismo etc., é o que está sendo colocado para a sociedade. Apenas a luta das classes trabalhadoras contra a opressão imposta pelo regime capitalista pode mudar essa dura realidade das mulheres. Capitalismo é sinônimo de machismo, racismo, violência, miséria e exploração.


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