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A revolta de Stonewall completa 50 anos

Entre junho e julho, todas as principais cidades do mundo apresentam suas paradas gay, com multidões se reunindo nas ruas para levantar a bandeira do arco-íris, símbolo do orgulho LGBT.

É por causa da revolta de Stonewall que o Dia do Orgulho LGBT (Lésbico, Gay, Bissexual, Transexual, Travesti) é celebrado no mundo todo na mesma data em que aconteceu o levante em Nova York. Esse evento, ocorrido no bar Stonewall Inn, em 28 de junho de 1969, nos EUA, é considerado o marco do movimento de liberação gay e o principal momento em que o ativismo pelos direitos LGBT ganha o debate público e as ruas.

Mas o que foi a revolta de Stonewall, citada inclusive pelo ex-presidente dos EUA, Barack Obama, em seu discurso de posse?

 

O bar Stonewall Inn

 

Naquele ano de 1969, o bar Stonewall Inn, no East Village, em Nova York, era ponto de encontro dos marginalizados da sociedade, em sua maioria, gays. As relações entre pessoas do mesmo sexo eram consideradas crime em todos os Estados Unidos, até 1962, quando, pela primeira vez, o Estado de Illinois alterou seu Código Penal e a homossexualidade deixou de ser crime. Apenas em 1972 outros Estados começaram a fazer o mesmo. Em Nova York, isso aconteceria nos anos 1980. Somente em 2003 essa lei seria abolida de vez.

O Stonewall Inn era um dos bares gay mais conhecidos de Nova York e, diferente de outros lugares que também recebiam o público LGBT, a maioria de seus frequentadores eram jovens da periferia, sem-teto (que haviam deixado suas famílias por causa de preconceito) e Drag Queens.
O local não tinha licença para a venda de bebida alcoólica e não respondia a uma série de outras regulamentações de segurança, mas a polícia fazia vista grossa ao estabelecimento porque seus donos, que tinham relação com a máfia, pagavam propina para que ele funcionasse. Estes donos também aproveitavam para chantagear os frequentadores famosos ou com mais dinheiro.

Na madrugada do dia 28 de junho de 1969, a polícia resolveu fazer mais uma batida nos bares gays daquela área. Nove policiais entraram no Stonewall e, sob a alegação de que era proibida a venda de bebida alcoólica ali, prenderam funcionários, agrediram e levaram sob custódia vários frequentadores travestis e Drag Queens que não estavam usando ao menos três peças de roupa "adequadas" a seu gênero, como exigia a lei.

Treze pessoas foram detidas. Algumas, porém, ao serem levadas para a viatura, decidiram provocar os policiais fazendo caras e bocas para a multidão. A polícia, então, como de costume, usou de mais violência para fazê-las entrar nas viaturas.

Em protesto contra a truculência policial, a multidão fora do Stonewall Inn começou a jogar moedas nos policiais e, em seguida, garrafas e pedras. Também tentaram virar uma viatura. Os policiais fizeram uma barricada para conter os manifestantes, mas acabaram sendo encurralados dentro do bar. Alguém da multidão atirou uma tocha com fogo dentro do Stonewall Inn e começou um incêndio. Os policiais usaram uma mangueira para conter as chamas e também para lançar jatos de água contra a multidão.

Pela manhã, quando o último policial deixou o Stonewall Inn, a gerência do bar colocou um aviso informando que o local voltaria a funcionar normalmente. Mas os manifestantes foram para as ruas novamente protestar por seus direitos naquela noite e nas  seguintes. Os manifestantes demonstravam orgulho de ser quem eram e provocavam a ordem e a polícia. “Mãos dadas, beijos e poses acentuavam cada um dos aplausos com uma libertação homossexual que havia aparecido apenas fugazmente na rua antes”, escreveu o jornalista Lucian Truscott IV, no jornal Village Voice. A partir deste momento, parte da comunidade gay de Nova York, que até então se escondia, foi às ruas protestar nos arredores do Stonewall Inn durante seis dias.

 

A história por trás da bandeira do arco-íris

 

No primeiro ano da revolta de Stonewall, houve manifestações LGBT em Nova York, Los Angeles, San Francisco e Chicago, para relembrar a data. Em Nova York, os manifestantes caminharam 51 quarteirões, do East Village até o Central Park. No ano seguinte, a marcha para relembrar Stonewall chegaria à Europa, acontecendo também em Londres, Paris, na parte ocidental de Berlim e em Estocolmo.

Em 2015, a Prefeitura de Nova York tornou o bar monumento histórico da cidade. Um ano depois, o ex-presidente Barack Obama decretou que o bar seria o primeiro monumento nacional aos direitos dos LGBTQ.

"Stonewall fundou um novo tipo de movimento LGBT. Criou essa ideia do orgulho, das pessoas LGBT ocupando o espaço público, assumindo suas identidades e se orgulhando dessas identidades e de práticas de sexualidade e de gênero", afirma Renan Quinalha, professor de direito da USP e ativista de direitos humanos. Segundo Quinalha, o contexto histórico daquele momento nos Estados Unidos contribuiu para aquele levante. "Stonewall reúne singularidades importantes. Acontece em 1969, após o movimento de libertação sexual, com uma série de condições específicas de Nova York, uma sociedade desenvolvida com uma série de contradições naquele momento. E acontece numa região do East Village que de fato era um bolsão, onde havia uma diversidade grande de pessoas, de migrantes, de latinos. Havia também, à época, um caldeirão em relação à desigualdade. Teve também a questão da mobilização contra a Guerra do Vietnã", explica.

Uma série de condições fez com que Stonewall virasse um episódio significativo e bastante singular em relação ao que havia antes no movimento LGBT. Havia luta e resistência anterior, havia o Mattachine Society, em São Francisco. Também não foi a primeira vez que houve assédio e violência policial contra a população LGBT. Esse é um problema crônico. Essa relação com a violência de Estado, a violência LGBTfóbica diluída na sociedade é um fator da constituição da identidade LGBT. Mas a revolta de Stonewall foi um momento decisivo para o movimento de liberação gay. Seis meses após ela ocorrer, surgiriam as primeiras organizações nos EUA, como a Frente de Liberação Gay entre muitas outras. Essa revolta acabou assumindo a imagem de um mito fundador em prol do movimento LGBT.

 

A repercussão do Stonewall no Brasil

 

Quando a revolta de Stonewall aconteceu, o Brasil passava por um dos piores momentos da Ditadura Militar. Menos de um ano antes, em dezembro de 1968, havia sido outorgado o Ato Institucional nº 5, que retirava uma série de liberdades civis, direitos individuais e instaurava a censura.

Naquele momento, Stonewall não fazia sentindo nenhum para o Brasil. Era um período de emergência de movimentos LGBT em vários países latinos, mas no Brasil isso acaba não acontecendo por conta da repressão. Aqui, a Ditadura acabou atrasando em dez anos a emergência do movimento LGBT.

Apenas em 1978 começa uma organização mais efetiva do movimento LGBT no País, num período de enfrentamento da Ditadura. Um bom exemplo é o episódio ocorrido no Dia do Trabalho de 1980, quando um grupo LGBT se uniu à classe trabalhadora num ato do movimento sindical, que estava sob a intervenção da Ditadura, na Vila Euclides, em São Bernardo do Campo (SP). Outra aparição pública forte do movimento LGBT aconteceu em 13 de junho de 1980, num grande protesto contra a violência policial e contra o delegado José Wilson Richetti, que comandava ações truculentas de repressão contra os trabalhadores.

Recentemente, em 2019, as principais paradas gay do planeta, inclusive no Brasil, decidiram homenagear os 50 anos do acontecimento da revolta de Stonewall, denunciando o aumento crescente dos ataques contra a comunidade LGBT, as mulheres, as minorias religiosas, raciais e também contra os direitos dos trabalhadores no mundo todo. Isso mostra que toda manifestação, independente da bandeira identitária defendida nela, se for contra qualquer tipo de repressão e retirada de direitos é muito importante e reforça ainda mais a luta da classe trabalhadora contra a exploração capitalista e pela tomada dos meios de produção.


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