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Tese Movimentos Sociais e Campo

Nota do Conselho Editorial do Jornal Gazeta Operária

Nos dias 19, 20 e 21 de abril, em Belo Horizonte/MG, aconteceu o III Congresso da Luta Pelo Socialismo (LPS). Além da delegação mineira, o Congresso contou com a presença de militantes e simpatizantes de vários locais do País como Paraíba, Pará, Rondônia, São Paulo, Brasília, entre outros. O objetivo da atividade foi debater o momento político pelo qual o Brasil e o mundo estão passando, além de definir a política de atuação do Coletivo para o próximo ano.

O norteador dos debates foram as Teses apresentadas, que buscaram caracterizar a conjuntura atual em cada setor, além de definir os eixos de atuação da LPS em cada segmento, seu posicionamento e suas bandeiras de luta.

Disponibilizamos, na íntegra, as Teses apresentadas e aprovadas no III Congresso da LPS. Contudo, é importante destacar que, dada a rápida evolução do momento político atual, é possível que alguns fatos apresentados nos documentos estejam defasados, o que não retira a importância dos mesmos.

A todos, boa leitura e bom debate.


Pequeno resgate histórico


1. A história do Brasil é marcada pelo enfrentamento entre os colonizadores majoritariamente portugueses, que se apossaram das terras brasileiras, e os povos originários, que foram dizimados neste processo. Após o genocídio, os colonizadores trataram de se apropriar dos bens naturais aqui existentes, incluindo a posse da terra.  Assim, as Capitanias Hereditárias inauguraram um modelo de colonização, gerenciamento e concentração de terras que reproduziram um quadro de desigualdades, existente ainda nos dias atuais.

2. Para trabalhar nessa terra expropriada, os colonizadores utilizaram-se, inicialmente, de mão de obra escrava indígena e, principalmente, negra. Os camponeses europeus que migraram para o Brasil no fim do século XIX, em conjunto com os negros alforriados, aumentaram ainda mais o rol de explorados no campo. A principal marca deste período é a chamada “Lei de Terras”, datada de 1850, em que as pessoas passaram a ter a obrigatoriedade de comprar a terra na mão do Estado brasileiro, não podendo mais simplesmente cerca-la e tomar posse. Na prática, isso significou a exclusão de ex-escravos, imigrantes pobres e a classe trabalhadora em geral do acesso à posse da terra. De fato, significou a concentração da terra nas mãos de uma elite econômica que, à época, já era representada pelos grandes latifundiários que plantavam café e cana de açúcar. Além desta lei, uma prática comum dos latifundiários é a “grilagem”, em que grandes latifundiários tomam as terras para si e as legalizam com anuência do Estado, das forças repressivas da burguesia e do poder judiciário. .

3. Assim, a origem da luta pela terra no Brasil está relacionada ao elevado índice de concentração fundiária. Tal prática é resultante da herança deixada pelo processo de colonização praticado pelos portugueses no território brasileiro, e dos mecanismos de atuação do Estado, sempre privilegiando o latifúndio e a monocultura, ampliando as desigualdades e a exclusão social.

4. Hoje, essa concentração é ainda maior, sendo que, em geral, as grandes propriedades são dedicadas à monocultura, voltada à exportação (agronegócios de soja, café, milho, cítricos etc.), enquanto as pequenas propriedades produzem alimentos, entre eles hortaliças e legumes. No censo agropecuário de 2006, as propriedades com mais de 1000 hectares somavam 45% da área total, número que cresceu para 47,5% em 2017.

5. Neste processo discriminatório e excludente que é o campo, o papel desempenhado pelos movimentos sociais na luta pela terra e pela Reforma Agrária é de suma importância. Suas reivindicações não passam apenas pela defesa do direito à terra, mas por território, pelas suas identidades, pelos seus costumes etc. O acesso à terra faz parte do processo de luta que permita a viabilidade econômica, cultural, social e política das formas de vida das populações camponesas, indígenas, quilombolas e tradicionais, entre outras.

6. O latifúndio, por sua vez, não permite a convivência com os demais povos do campo. Para dar cabo à sua procura insaciável por lucros, ele impõe uma política de terror aberto contra os trabalhadores do campo, controlando os governos, cartórios e aparatos repressivos do Estado, além dos mecanismos de repressão próprios, cujo objetivo é promover o extermínio de líderes camponeses, indígenas e quilombolas. A liberação da posse de armas em favorecimento à política da burguesia da cidade e rural contra as massas, assinada pelo representante do fascismo no Brasil, Jair Bolsonaro, em conjunto com as pautas defendidas pela bancada BBB (Boi, Bíblia e Bala), não deixam dúvidas que a matança promovida tanto no campo quanto nas metrópoles irá crescer a níveis alarmantes.


Organização proletária nas cidades


7. O processo de concentração de terras no campo provocou o inchaço das cidades. A expulsão dos trabalhadores não alfabetizados e sem as mínimas condições de sobrevivência gerou a urbanização desenfreada e a favelização das cidades. O capitalismo e a organização de grandes fábricas e indústrias deram origem e ampliaram a exploração da classe trabalhadora. Devido à exigência de maior produtividade e redução do tempo improdutivo, aliado aos baixos salários, os trabalhadores foram forçados a morar ao redor dos seus locais de trabalho, ocupando terrenos adjacentes. Isso sem falar na política de desemprego que busca manter um exército de reserva, faminto e disposto a ocupar os postos de trabalho recebendo verdadeira miséria, o que dificulta a organização da classe operária. Por outro lado, esse exército de desempregados, cada vez mais numeroso, é forçado a construir moradias simples em terrenos mais inóspitos, formando-se as favelas; e a criar sua prole através de “bicos” e sub empregos temporários. Como consequência, a luta pela moradia e por emprego tornou-se uma rotina na vida da classe trabalhadora pobre, sobretudo a população negra, majoritária no Brasil.


Crimes das privatizações


8. O Estado burguês nunca se importou com as condições de vida da população. Apenas a geração de lucros e a apropriação dos recursos interessa aos grandes imperialistas. As privatizações de grandes e importantes empresas públicas significam a entrega dos capitais nacionais, que deveriam servir ao povo, às mãos dos capitalistas. Com isso, temos não só a retirada predatória dos recursos, destruição do meio ambiente e extinção dos postos de trabalho, como também uma série de crimes perpetrados pela precarização e terceirização das relações de trabalho.

9. A privatização é veiculada pela grande mídia como solução para mal funcionamento de serviços públicos e queda de valores para prestação de serviços. Porém, essa lógica é irreal, à exemplo da Telemig, em que houve aumento dos valores da telefonia, assim como da qualidade, bem como a redução dos postos de trabalho, através da terceirização irrestrita. Terceirização, aliás, que é responsável pela maior parte dos “acidentes de trabalho”. Segundo pesquisa de 2018, realizada pelo IBGE junto ao Ministério do Trabalho, a cada 10 vítimas de acidentes laborais, oito são terceirizados, fazendo valer a máxima: a terceirização mutila e mata.

10. Outro exemplo do quão pernicioso são as privatizações é o crime de Brumadinho (MG) causado pela Vale, ocorrido no começo deste ano, é a prova cabal que as privatizações são a causa maior das devastações. Foram mais de 500 trabalhadores e moradores soterrados, quilômetros de fauna e flora destruídos, além dos córregos, rios e nascentes contaminados por um mar de lama tóxica. Sequer os estudos oficiais realizados pela própria Vale estimando o preço de cada vida, em caso de tragédia, estava estimado US$ 2,56 milhões ou R$ 9,8 milhões, são por ela levados à sério. A Empresa tem se recusado a pagar até mesmo o valor por ela mesma calculou, e tenta impor às famílias o preço de R$ 300 mil para cada vítima do crime de Brumadinho.


Luta pela moradia


11. Há anos que as famílias trabalhadoras pobres reivindicam o direito à moradia. Esta é mais uma batalha que só terá uma conclusão com o fim do capitalismo. Até mesmo a miserável submissão de sobreviver em favelas tem sido retirada dos trabalhadores, pois os capitalistas, ávidos em manter suas taxas de lucro, utilizam as áreas dessas favelas para loteamentos ou construções mais rentáveis. Enquanto os pobres sequer têm direito a um teto para morar e são brutalmente marginalizados pelo Estado, os juízes brasileiros são agraciados com vencimentos acima de R$35 mil, mais outros tantos “proventos”, e ainda recebem “auxílio moradia”. Para o judiciário tirano, tudo. Para os pobres, a opressão, tiro, agressão e bomba.

12. Neste cenário, os movimentos sociais e de luta pela moradia devem ampliar a sua mobilização com ocupações urbanas e, após isso, buscar a regularização dos imóveis ocupados pelas famílias visando assegurar-lhes legalmente seus direitos. Vítimas da implacável perseguição feita pelo governo e os poderosos senhores do capital, as camadas pobres da sociedade brasileira cada dia mais precisam ampliar sua reação contra a exploração, entendendo que só terão vez com o fim da sociedade de classes.


Lutar contra a opressão e desigualdade na cidade e no campo

 

13. É de amplo conhecimento o vínculo político dos latifundiários, ladrões de terras da União, com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O acirramento da luta de classes está colocado no próximo período como consequência do aumento dos ataques do capital. Os trabalhadores da cidade e do campo precisam unificar as lutas para se defenderem dessa investida.

14. Esta é a base da colossal desigualdade contra a qual a LPS luta.

15. Apoiamos a luta dos pobres do campo e repudiamos a truculência do Estado contra esses companheiros, bem como o ataque aos pobres e oprimidos da cidade, vítimas da desigualdade social. É preciso unir operários, camponeses pobres, sem-terra, indígenas e quilombolas na luta por um governo dos trabalhadores da cidade e do campo!


Propostas de atuação política da LPS para os movimentos sociais do campo e da cidade

 

16. Denunciar a opressão aos movimentos sociais, no campo e na cidade.

17. Denunciar as ações truculentas das forças repressoras do Estado em qualquer instância.

18. Expor a luta camponesa e todos os ataques que a classe sofre pela ação direta e indireta dos grandes latifundiários.

19. Promover cursos e plenárias sobre o tema, de modo a elevar a conscientização da classe trabalhadora da cidade e do campo.

20. Engajar a militância para desenvolver atividades nas periferias, centros urbanos e no campo, com a intenção de criar e desenvolver a consciência de classe.

21. Apuração e punição de todos os mandantes e executantes dos assassinatos no campo e na cidade!

22. Pela revolução agrária!

23. Expropriação do latifúndio!


Em defesa das lutas democráticas dos LGBTQI+, contra o retrocesso, preconceitos e discriminações


24. Atuando em defesa dos movimentos sociais, o III Congresso da LPS entende que a luta proletária não pode desconsiderar as crescentes e legítimas instâncias de reconhecimento de parcelas da população que se deparam quotidianamente com ataques violentos ao seu próprio ser. As lutas contra as opressões precisam ser integradas com as pautas econômicas e políticas, em diálogo constante, interseccional e permanente, numa perspectiva de superação da fragmentação da sociedade que o capitalismo e o neoliberalismo impuseram, e na perspectiva de maior organização e transversalidade da luta.

25. O governo Bolsonaro é caraterizado por um retrocesso civilizatório que resgata e desperta preconceitos e discriminações, enquanto o avanço da luta identitária foi indiscutível na época anterior.

26. Apesar de estarmos numa democracia formal, vivida de forma diferente por parcelas da população mais vulneráveis, esta mesma democracia burguesa, nos termos de uma sociedade capitalista, está cada vez mais ameaçada.  O aprofundamento dos ataques é estarrecedor. Destaca-se especialmente a violência contra os LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersex) a partir das manifestações do atual presidente na época das eleições, que resgataram uma mentalidade retrógrada e intolerante, declamada em suas inúmeras manifestações ao longo de seus mais de 28 anos de carreira política. Colocando-se como defensor da “família tradicional”,  manifestou-se em diferentes ocasiões a favor de dar “surras” em crianças e adolescentes que com tendências homossexuais e favoreceu uma onda de ódio, intolerância e violência, libertando instintos que, em parte da população, estavam dormentes e deixando espaço ao fundamentalismo religioso, em franco desprezo do princípio da laicidade do Estado. Tais ações intensificaram, desde outubro do ano passado, a uma escalada de agressões motivada por questões de orientação sexual e identidade de gênero.

27. A apologia à Ditadura Militar, feita constantemente pelo presidente e seus seguidores, junto com o aberto combate à “ideologia de gênero”, cria incertezas e ameaça gravemente a sobrevivência de LGBTQI+, negando seus direitos civis, políticos, e sexuais.  De acordo com a Comissão da Verdade existiam, na época da Ditadura, planos de violência física e psicológica aos LGBTQI+ relacionando diretamente aquele que era entendido como um “desvio sexo/gênero” à ideologia comunista.

28. Não menores são os ataques as outras supostas “minorias”. Da mesma forma que com os LGBTQI+, os posicionamentos e opções de voto de Bolsonaro durante sua vida política (votou, por exemplo, contra a Lei Brasileira de Inclusão) e suas constantes declarações públicas, demonstram desprezo para os direitos humanos considerados “bandidagem” e “desserviço ao nosso Brasil”.

29. Assim, nos primeiros 100 dias de governo, o retrocesso foi se aprofundando. Foi  extinta a SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão), órgão do Ministério da Educação (MEC), responsável pela promoção de ações transversais na área da educação. A Medida Provisória que criou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado pela pastora Damares Alves, (conhecida pela afirmação “meninas vestem rosa, meninos vestem azul”), retirou dos objetivos do novo órgão o tema da cidadania LGBTQUI+.

30. O Decreto 9759/2019, entre outras medidas, extinguiu canais de participação social na política criados fora de sua gestão e regulamentados a partir da Política Nacional de Participação Social (Decreto 8243/2014),  dentro dos quais o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT (CNCD/LGBT), o Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência e o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso. O Brasil ainda saiu do Pacto global para a Migração Segura, que estabelece orientações para acolhida de imigrantes. A saída foi justificada com o argumento da soberania nacional, que remete à política antiga de Segurança Nacional pela qual o migrante era considerado um perigoso inimigo. A Reforma da Previdência, com a nova política prevista em matéria de benefício de prestação continuada, impõe regras desumanas para com as pessoas mais necessitadas, tais como idosos e deficientes.

31. Na atual contingência, urge uma ampliação da luta por direitos democráticos, que por mais limitados que sejam, acolhem as diferenças, promovem da igualdade e para a qual se impõe a necessidade de maior representatividade destas categorias em todas as entidades.

32. Nessa altura a LPS manifesta seu compromisso de luta pela emancipação da classe trabalhadora numa perspectiva socialista, entendendo ser importante promover, em fase de transição, o debate em torno da garantia dos direitos dos oprimidos, fortalecendo os laços com os campos progressistas em prol da luta LGBTQUI+, de outros vulneráveis, tais como migrantes e refugiados, deficientes e idosos, bem como de todas e todos que forem violentados, perseguidos  e/ou criminalizados em razão do seu ser ou da sua forma de pensar.  Neste sentido, o III Congresso da LPS delibera:

33. Ampliação e defesa da luta por direitos democráticos dos LGBTQI+ e de todos os setores marginalizados e oprimidos pelo capitalismo;

34. Criação da Secretaria de Movimentos Sociais.


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