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As novas diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental

O governo autoritário de Jair Bolsonaro lançou no último dia 06 de fevereiro, a Nota Técnica 11/2019, que tem como objetivo reorientar as diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental. O documento, que sequer chegou a passar pelo Ministro da Saúde, foi assinado pelo Coordenador Geral de Saúde Mental, Álcool e outras drogas do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro, e legitima alterações que vão na contramão da reforma psiquiátrica de 2001. Trata-se de um retrocesso de quase 20 anos de uma luta que resultou no fechamento de hospitais psiquiátricos e abertura de leitos para casos de crises psiquiátricas em hospitais do SUS, expandindo e dando uma nova possibilidade de tratamento para as pessoas com esses transtornos.

A reforma psiquiátrica, Lei 10.216/2001, foi uma árdua luta contra os donos dos hospitais psiquiátricos, contra a exclusão social e o controle das pessoas com sofrimento mental e pelo direito de cuidar da doença em liberdade. Assim, de forma gradativa, muitos manicômios foram fechados, como o de Barbacena (MG) e a Casa Anchieta, em SP. Em contrapartida, foi sendo implementado o atendimento no SUS, de maneira humanizada, por meio de abordagens inclusivas, com equipes multiprofissionais, participação nas artes, retorno ao mercado de trabalho e vida comunitária com direito à moradia e a liberdade de ir e vir.


De volta ao “manicômio”


As novas diretrizes voltam a incluir oficialmente os hospitais psiquiátricos, como parte das RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), locais que ficaram conhecidos por serem espaços de despejo, onde pessoas com sofrimento psiquiátrico e que abusavam de drogas eram abandonadas, internadas indefinidamente e maltratadas. Isso sem falar nos casos de perseguição, já que os manicômios desemprenharam um papel fundamental para atacar aqueles que se opunham aos desmandos dos governos burgueses, com destaque para os militares, durante a Ditadura.

Para se ter ideia temos, o caso da Clínica de Saúde Alfredo Neves, casa psiquiátrica localizada em Niterói, no Rio de Janeiro, que em 2016 foi denunciada pelo Ministério Público pelas condições extremamente precárias da Casa, além de relatos de pacientes amarrados, subnutridos e machucados. A desinstitucionalização do local e a transferência dos pacientes chegou a ser solicitada. 

Com as novas diretrizes, teremos a volta da internação involuntária ou compulsória, onde os pacientes poderão ser trancafiados em “manicômios” por decisão de pessoas ou entes alheios à vontade do paciente como médico, psiquiatra, familiares ou até mesmo o Estado. Em suma, o novo projeto quer retirar da sociedade qualquer pessoa que seja considerada “desajustada”, enquanto injeta o dinheiro público em setores privados de saúde.


Eletroconvulsoterapia e a tortura


A eletroconvulsoterapia, mais conhecida como choque elétrico, é outro ponto complexo da nota técnica 11/2019. Na medicina, o tratamento é indicado em casos especiais, pacientes com depressão e esquizofrenia que já não respondem à medicação e buscam outras alternativas. Sua aplicação exige um rígido protocolo e uma estrutura mínima para ser bem utilizados: salas cirúrgicas, com anestesista e equipamentos para reanimação devem estar presentes no local. 

O grande problema é que a nota não explica em quais circunstâncias ou mesmo o protocolo para a utilização dos aparelhos, abrindo a possibilidade de empregar a técnica de forma punitiva, remontando às décadas onde os eletrochoques eram prática comum nos sanatórios e manicômios, utilizados como método de tortura, além do risco à vida dos pacientes, caso os aparelhos sejam manuseados sem a devida estrutura.

A Nota Técnica 11/2019, longe de representar um avanço concreto na política de saúde mental, representa uma involução. As modificações feitas buscam abrir brechas para a recriação de um modelo manicomial combatido em todo o mundo e, ao mesmo tempo, retirar os investimentos do SUS e entregá-los à iniciativa privada. É necessário organizar a resistência em defesa da saúde mental pela luta antimanicomial, pelo SUS público de qualidade, pela assistência integral aos trabalhadores, pela defesa da vida em liberdade.
 


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