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“VALE tem se recusado a negociar, verdadeiramente, com os sindicatos dos trabalhadores”

O Jornal Gazeta Operária (JGO) entrevistou o advogado Luciano Pereira, do departamento jurídico do Sindicato dos Empregados e Empresas de Processamento de Dados, Serviços de Informática e Similares do Estado de Minas Gerais (SINDADOS-MG), sobre o processo que representa os empregados diretos e terceirizados que foram vítimas do massacre na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho-MG, de responsabilidade da Vale. 

Jornal Gazeta Operária (JGO): Como anda o processo envolvendo a punição da Vale pelo crime socioambiental de Brumadinho e a indenização das vítimas e familiares? 
 

Luciano Pereira: É uma luta muito desigual! 
A VALE tem uma prática enganosa, de fazer um discurso público de que está disposta a viabilizar a imediata e justa reparação dos danos sofridos pelas vítimas, afirmando seu empenho em fazer acordos de indenização, em “valores jamais vistos” e evitar a judicialização deste litígio, quando a sua atuação é toda voltada para a eternização das ações judiciais e o rebaixamento das indenizações a níveis desumanos. 

Há um esforço dos diversos sindicatos que representam os trabalhadores diretos e terceirizados da VALE de atuarem de forma conjunta e coordenada com o Ministério Público do Trabalho e essa estratégia tem trazido alguns resultados positivos, uma vez que somente na Justiça do Trabalho está garantido o bloqueio de R$ 1,6 bilhão para a reparação dos danos às famílias das vítimas e trabalhadores sobreviventes e o Juiz determinou à empresa que adote uma série de medidas emergenciais de apoio às vítimas. 

No último dia 21 de fevereiro, tivemos uma audiência coletiva na sala de reuniões da Câmara Municipal de Brumadinho/MG para debater o crime. Durante a reunião, os sindicatos se manifestaram, apresentando uma proposta no valor R$9.600.000,00 a título de indenização global pelo dano material e moral a ser quitado ao grupo familiar de cada trabalhador morto ou desaparecido no desastre, independentemente do tipo de vínculo existente com a Vale S/A (empregados do quadro próprio, terceirizados, avulsos, autônomos, estagiários, aprendizes, etc.). O valor global seria destinado aos parentes do trabalhador falecido/desaparecido em proporção a ser negociada com as famílias. A forma de pagamento também seria objeto de negociação, sendo que caberia à Vale S/A a antecipação imediata do valor de dois milhões de reais. Esta proposta está baseada num documento interno da Vale, que expõe um estudo de análise de risco, relativo à hipótese de rompimento de barragem de rejeitos, no qual a própria empresa fixou seu parâmetro para indenização por perda de vida humana em US$ 2,6 milhões de dólares.  

Jornal Gazeta Operária (JGO):  Quais as obrigações que os advogados das vítimas entendem que a Vale deve cumprir? 
Luciano Pereira: Este é um debate em andamento. Temos tentado trazer essa discussão para o campo coletivo, constituindo um movimento que conte com a participação dos sindicatos, dos trabalhadores sobreviventes, dos familiares das vítimas e do Ministério Público do Trabalho, de modo a não permitir o rebaixamento das negociações que a VALE tem tentado implantar, por meio de negociações individualizadas. 

Até o momento, verdadeiramente, a VALE tem se recusado a negociar com os sindicatos que representam seus trabalhadores diretos e terceirizados e não tem dado resposta às reivindicações encaminhadas pelas entidades sindicais que cobram a adoção de medidas emergenciais de proteção e assistência às vítimas. Atitude de descaso e desrespeito que se acentua no trato com a comunidade atingida por este acidente criminoso. 

Na Audiência realizada no último dia 15/02 perante a Justiça do Trabalho, em Ação movida pelo Ministério Público do Trabalho e as entidades sindicais, a VALE mais uma vez se recusou a adotar as necessárias e urgentes medidas de proteção aos trabalhadores sobreviventes e familiares dos mortos, concordando somente em assinar um "Acordo Parcial", no qual a Empresa se compromete a adotar providências que já foram determinadas pelo próprio Juiz, em liminar, ou que já se constituem em obrigação legal. 

Além de se esquivar em adotar medidas efetivas de proteção e amparo às vítimas, a VALE ainda se permitiu apresentar ao juiz um pedido de redução de 68% do valor do bloqueio judicial, que o reduziria de R$ 1,6 bilhão para R$500 milhões, pleito rejeitado pelo magistrado, que manteve o dinheiro bloqueado. 

E mais, a VALE insiste em sua proposta de conceder estabilidade no emprego por apenas 10 meses, ao passo que a própria lei garante estabilidade ao trabalhador vítima de acidente de trabalho por 12 meses. Além disso, a proposta apresentada pela Empresa, de indenização dos danos materiais, é rebaixada e discriminatória, por utilizar como critério o pagamento parcial do salário dos trabalhadores mortos (2/3 do que receberiam até a idade de 75 anos). Esta proposta, além de não contemplar a integralidade do salário, resultará em absurdas diferenças de valores nas indenizações. Por exemplo, os familiares de um trabalhador falecido que tinha salário de R$ 2 mil deverá receber, segundo o critério da VALE, 10 vezes menos que a família de um trabalhador com salário de R$ 20 mil. Não podemos aceitar proposta tão rebaixada e fundada em repugnante tratamento discriminatório. Exigimos tratamento igualitário para todos os trabalhadores. 

Há uma lamentável e inadmissível resistência da VALE em atender às demandas emergenciais das famílias vitimadas e dos trabalhadores sobreviventes. 
Os Sindicatos que representam os empregados diretos e terceirizados da VALE rejeitaram a proposta da empresa e reafirmaram a necessidade de uma negociação que reconheça a gravidade da situação e respeite a dor e o sofrimento das vítimas. 

Jornal Gazeta Operária (JGO): O rompimento da barragem de Brumadinho foi considerado o maior acidente do trabalho verificado na história do Brasil. Você acredita que esse crime é a tendência geral de precarização do conjunto das relações de trabalho? 

Luciano Pereira: Não há a menor dúvida de que essas verdadeiras chacinas ocorridas em solo mineiro se inserem em um processo mais amplo de intensificação da exploração da força de trabalho e precarização das condições de trabalho. 

Há um verdadeiro abandono das medidas de saúde e segurança do trabalhador, que vem sendo muito intensificado pelo processo de terceirização selvagem em curso no Brasil e o acidente da Vale ilustra muito bem essa realidade. 

Este caso específico, revela-se como mais um efeito danoso do processo de privatização implementado pelo governo FHC, que fez uma verdadeira doação do patrimônio do povo brasileiro, em que se constituía a Vale do Rio Doce, para investidores que não têm limites e para os quais, para aumentar seus lucros,  são capazes de destruir a natureza, matando centenas de pessoas e de colocar na miséria outras milhares, que em consequência da destruição gerada não conseguirão produzir para garantir seu sustento, afinal, não podemos deixar de realçar que a Vale matou o Rio Doce e, agora, o Rio Paraopeba, fonte de subsistência de milhares de famílias, comunidades indígenas, entre outros. 
Jornal Gazeta Operária (JGO): Que medidas são necessárias para evitar esse tipo de crime? 
 

Luciano Pereira: Precisamos intensificar a luta coletiva para a humanização do ambiente de trabalho e o respeito às normas de saúde e segurança, bem como a instituição de um marco regulatório que seja capaz de colocar limites à lógica do capital, de ter o lucro como valor supremo e intocável.
 


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