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Brexit e o futuro da Inglaterra

As recentes notícias sobre a situação do Brexit na Inglaterra parecem indicar um futuro turbulento para a nação que um dia já dominou quase metade do planeta por meio de um império tirânico. Um governo fraco e sem direção, que entra constantemente em crise, sendo o colapso atual o que mais abalou o país nos últimos duzentos anos. Mas, como um Estado que já constituiu uma das maiores potências do planeta chegou a tal situação?

Não é segredo que o impressionante poderio da Inglaterra, tanto militar quanto econômico, derivou da extração material e da exploração brutal de suas colônias, sobretudo na Índia, mas também na África, no extremo Oriente e mesmo na Irlanda. Esse momento histórico, em que as grandes potências começaram a colonizar politicamente a África e a Ásia e, comercialmente, a América Latina, é chamado de imperialismo. 

Quando, no começo da década de 60, a Inglaterra perdeu quase todas as suas posses ultramarinas, seu papel político nos assuntos mundiais também perdeu parte da sua força. Ainda assim, os ingleses conseguiram segurar o prestígio de seu Estado por meio de dois mecanismos: uma parceria com os EUA, que lhe garantiu uma presença estratégica na Guerra Fria; e outra por meio da transformação de seu antigo império colonial em domínio neocolonial, ou seja, uma dominação mais velada e discreta, ainda que semelhantemente cruel.

O domínio neocolonial é simbolizado pela Commonwealth inglesa (a palavra commonwealth significa, em inglês, algo como uma comunidade que partilha instituições ou valores). Trata-se de uma entidade que reúne grande parte das ex-colônias inglesas com a mesma estrutura simbólica (onde algumas das ex-colônias ainda reconhecem simbolicamente a rainha inglesa como sua soberana). Isso, na prática, significa que as antigas ligações entre metrópole e colônia permaneceram sob uma nova forma, com uma primazia de interesses e companhias inglesas atuando nesses territórios.

 

Começo da decadência

 

O poderio inglês conseguiu manter-se razoavelmente influente até fins do século passado e, de certa forma, até hoje: a Inglaterra faz parte do Conselho de Segurança Permanente da Organização das Nações Unidas (ONU). Entretanto, com a crise do petróleo na década de 70 e as políticas neoliberais de Margaret Thatcher, a economia inglesa se enfraqueceu seriamente, tornando-se um apêndice da bolsa de valores londrina. Esse enfraquecimento inglês ocorreu conjuntamente com o de outras potências europeias, como a França e a Alemanha. Visando manter e consolidar a sua posição de poder no mundo, os países do continente europeu formaram a União Europeia (UE), um megabloco político e econômico, com capital em Bruxelas, na Bélgica, ao qual os ingleses eventualmente se uniram, sob condições especiais e cheios de privilégios.

Enquanto a economia mundial crescia razoavelmente bem durante o fim da década de 90 e o início dos anos 2000, a situação parecia agradar a todos. Mas, quando a economia mundial entrou em colapso, em 2008, a União Europeia tornou-se a fonte de todo o mal para o público inglês, influenciado por políticos reacionários oportunistas que queriam colocar a culpa em terceiros para livrar a própria pele.

Contudo, não nos esqueçamos: a União Europeia é uma instituição neoliberal supranacional que facilita o movimento e o domínio do capital sobre os indivíduos na Europa. Ela não é “inocente” dos crimes econômicos que devastam o mundo, como pode ser facilmente observado na situação miserável e humilhante dos gregos atualmente. Ainda assim, a situação da Inglaterra deriva mais da sua posição como potência decadente há mais de cinquenta anos, do que das políticas econômicas da União Europeia (UE) em si, que em pouco diferem das políticas locais da Inglaterra.

Quando, em 2016, o então primeiro-ministro, David Cameron, propôs um referendo para decidir se o Reino Unido ficaria ou não na UE, ele o fez na expectativa de que o povo votaria para ficar e ele acabaria com as tensões sobre a questão, ficando numa posição extremamente forte e consolidado no governo inglês.

Mas Cameron “quebrou a cara”, por assim dizer. O povo inglês, cansado de um governo neoliberal que lhe ignora, que via os males deste governo como consequência da filiação à União Europeia e movido por certo pavor de imigrantes africanos e árabes (que em grande medida só migraram devido às guerras que o governo inglês apoiou), votou para sair da UE. O mandato e a carreira política de Cameron implodiram. Como ninguém esperava o resultado do referendo, não foram feitos planos concretos para sair da UE, algo que nunca aconteceu na história da entidade. Os conservadores, graças a uma coalizão com um minúsculo partido de ultradireita norte-irlandês, conseguiram se manter no poder com o governo de Theresa May, nas eleições de 2017. Acontece que o governo de May é incompetente e não consegue resolver questões pequenas, quanto mais o problema imenso que é o Brexit. Normalmente isso seria uma “deixa” para o Partido Trabalhista (Labour), que tomaria as rédeas e tentaria resolver a questão. Mas tudo que a burguesia inglesa não quer é o partido trabalhista no poder, porque pela primeira vez nos últimos vinte anos, o Partido Trabalhista tem uma liderança forte na figura de Jeremy Corbyn, um social-democrata dedicado que efetivamente quer nacionalizar e socializar uma série de instituições inglesas.

Desta forma, a Inglaterra segue num impasse: sem poder tomar o caminho dos trabalhadores, que poderiam resolver a questão, pois possuem planos concretos e vontade política de realizá-los, nem conseguindo tomar uma posição forte com os conservadores no poder. O povo inglês segue sendo reduzido à miséria e à austeridade brutal, furioso e cansado de seu governo inútil. Esta é a situação da atual Inglaterra, bem inferior a outro momento, em que o temível império inglês subjugou brutalmente o mundo. A esperança é que o povo inglês ponha um basta na situação e resolva tomar as decisões por suas próprias mãos.

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