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Ofensiva aos movimentos sociais e o aumento da violência no campo

O governo de Jair Bolsonaro ainda não começou oficialmente, mas seu alinhamento com o governo golpista de Michel Temer está visível e gerando resultados desastrosos para a classe trabalhadora. Durante a campanha eleitoral, o então candidato já apontava suas intenções para uma grande ofensiva aos movimentos sociais, aos povos indígenas e aos quilombolas. O discurso de ódio direcionado a estes segmentos contribuiu para criar uma atmosfera de medo, acirramento do preconceito, do racismo e, ainda, a ideia de que qualquer oposição ou crítica ao seu governo deva ser exterminada, assim como os que criticam.

Não por acaso, passado o segundo turno das eleições presidenciais, temos visto uma enxurrada de despejos, assassinatos e mandatos de reintegração de posse de acampamentos, alguns deles historicamente ocupados por serem improdutivos e descumprirem o que rege a Constituição Federal, que afirma o uso social da terra como elemento estruturador – o domínio de posse.

Os trabalhadores rurais sem-terra lutam para assegurar um lugar para viver e para plantar, mas são atacados por supostos “proprietários”, a maioria deles grileiros de terra (pessoas que falsificam documentos para se apropriar, ilegalmente, de terras alheias). Do outro lado, a Polícia que executa os mandatos de reintegração usa do abuso de poder e da violência junto a estes trabalhadores.

Somente no Distrito Federal, nos últimos meses, dois acampamentos foram despejados por mandatos de reintegração. O Acampamento Antônio Nascimento, no município de Formosa, a 80 km de Brasília foi um deles. Cerca de 150 famílias foram desalojadas ficando sem ter para onde ir. A área ocupada, além de ser improdutiva, é denunciada por ser objeto de especulação. A ação executada pela Polícia Militar de Goiás cumpriu liminar de reintegração de posse solicitada pelo suposto proprietário da fazenda ocupada.

Segundo as famílias acampadas, a área estava improdutiva há anos e foi grilada pelo proprietário, que a desmembrou em várias partes e as transferiu para laranjas. Com a ocupação, cada família tinha uma roça, plantava mandioca, abóbora, arroz, feijão e o acampamento estava em eminência de realizar a plantação de milho crioulo na roça coletiva.
Durante a expulsão das famílias, uma assentada sofreu um ataque cardíaco fulminante e veio a falecer. Nem o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), nem a Polícia prestaram socorro.

Outro acampamento, o Dandara, localizado no núcleo rural Rajadinha, região do Paranoá-DF, sofreu o processo de despejo. 250 famílias sem-terra acampadas foram banidas de forma truculenta, sendo surpreendidas com uma ação da Polícia Militar que amanheceu, no dia 08 de novembro, com escavadeiras, tratores e policias em cavalarias. Os barracos foram destruídos, as famílias ficaram expostas a chuva, crianças dormindo em pedaços de papelão etc. Os pertences pessoais e toda a plantação existente no acampamento foram destruídos.

Na Paraíba, dois sem-terra foram metralhados por capangas encapuzados e fortemente armados. O crime ocorreu no acampamento Dom José Maria Pires, no município de Alhandra.

Os trabalhadores rurais reivindicavam, desde junho deste ano, a desapropriação de uma área de mais de 600 hectares. O Movimento chegou a realizar ações junto a Ouvidoria Agrária do INCRA e diversas irregularidades foram apontadas na fazenda, mas, ainda assim, o Judiciário deferiu a liminar de reintegração de posse. Há indícios de que o local seja uma área pública grilada. O Movimento Sem-Terra (MST) defende que essa fazenda seja destinada para fins de Reforma Agrária.

 

Tentativa de criminalizar o movimento indígena

 

Há uma linha corrente de criminalização de todo processo de luta e organização popular, avalizados pelo judiciário e pela imprensa corporativa, que transforma trabalhadores que lutam por terra e direitos em criminosos. Os camponeses, homens, mulheres, idosos e crianças, são tratados pela Polícia como marginais pelo fato de estarem lutando conta os interesses do agronegócio e contra os proprietários de terras griladas.

Casos como o mandato de desapropriação do Assentamento Quilombo Campo Grande, em Minas Gerais, representa mais um destes atentados absurdos aos direitos dos trabalhadores. Após uma grande mobilização nacional, a liminar que autorizava a reintegração de posse do Assentamento foi derrubada, mas a luta continua porque a ofensiva contra os trabalhadores pobres está apenas dando os primeiros sinais. O governo Bolsonaro representará um retrocesso ainda maior. Teremos, a partir de 1º de janeiro, um governo contrário às políticas afirmativas e às garantias de direitos históricos, que foram duramente conquistados no processo de luta.

Além dos trabalhadores rurais sem-terra, que representam uma parte mais frágil no sistema político burguês, sistema esse que trata empresários e proprietários de terra, mesmo que griladas, como cidadãos de direitos, também outras populações em situação de vulnerabilidade social já sentem o peso das mudanças conjunturais que se anunciam.

Na Bahia, a justiça estadual determinou a reintegração de posse de área de preservação ambiental – mais de sete hectares de terra ocupadas por indígenas do Povo Tuxá da Aldeia Mãe, composto por 11 clãs, com aproximadamente 220 famílias. Esse pequeno pedaço de terra retomado é o que sobrou após a inundação dos solos, nos anos 1980, com a construção da Usina Hidrelétrica de Luiz Gonzaga, próximo ao município de Rodelas, no sertão baiano.

Em 2014, a Justiça Federal determinou à FUNAI a constituição de um Grupo de Trabalho para identificação e delimitação do Território D'zorobabé, do Povo Tuxá. No entanto, o órgão indigenista não cumpriu a decisão. Posteriormente, em 2017, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF 1) reiterou a decisão em primeira instância e, novamente, sentenciou a União e a FUNAI para constituir o Grupo de Trabalho (GT). Algumas atividades do GT, com a prática de estudos, foram realizadas, mas o que se assiste é uma grande pressão da prefeitura de Rodelas e de grupos locais, afirmando que a terra não deve ser desapropriada para os povos indígenas, por ser de interesse produtivo do município. Assim, o juiz José Carlos Rodrigues do Nascimento, ignorando todos os pequenos avanços que vinham sendo feitos, sentenciou a desocupação da área, imediatamente, com multa de R$ 1 mil por dia de permanência, autorizando inclusive o uso de força policial caso os indígenas resistam a reintegração de posse.

No norte do País, os povos indígenas denunciam que em apenas um mês (outubro) a destruição na Terra Indígena Cachoeira Seca, entre os municípios de Altamira e Uruará, no Pará, já supera o total de área desmatadas em todo o ano de 2017. Mesmo com denúncias e intensa pressão do povo indígena Arara, que luta pela integridade do território, o roubo de madeira, o avanço da pecuária e a intensificação da grilagem são as causas principais do desmatamento que ameaça a vida dos indígenas e a preservação do território. Somente na Terra Indígena Ituna Itatá, em maio deste ano, foram três hectares detectados com o desmatamento. Em outubro, o tamanho da área desmatada pulou para 1.800 hectares.  

A Terra Indígena está localizada a menos de 70 quilômetros do sítio Pimentel, principal canteiro de obras da Usina Belo Monte. A destruição da floresta vem aumentando consideravelmente desde 2011, com o início da construção da Usina. A extração ilegal de madeira, a ameaça ao território indígena e repressão às lideranças que denunciam essa situação são cenários resultantes do discurso de desvalorização dos povos indígenas, da flexibilização e desrespeito às leis ambientais e da intenção de entrega das terras, das águas e da floresta às multinacionais. Tônica trágica de um governo que entrega a soberania nacional e se coloca como serviçal do capital internacional.

A ofensiva junto aos trabalhadores e indígenas representa mais uma faceta da subserviência ao grande capital nacional e, principalmente, internacional. A destinação das terras para o agronegócio, a extração ilegal de madeira em terras indígenas e de proteção e a ofensiva contra os trabalhadores que confrontam essa situação cresce a passos largos. Faz-se necessário organizar a luta e a resistência dos povos e pelos povos.


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