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Desmonte do Programa Mais Médicos e a privatização da Saúde

No último dia 23 de novembro, teve início a retirada dos mais de oito mil médicos cubanos que atuavam no Programa Mais Médicos. A decisão de suspender a participação, anunciada pelo governo cubano, foi uma resposta às declarações ofensivas do presidente eleito, Jair Bolsonaro. Ainda durante a campanha eleitoral, o representante da extrema-direita afirmou que os médicos cubanos eram “açougueiros”, “guerrilheiros disfarçados” e que seriam expulsos “na canetada” tão logo seu governo começasse. O resultado das ameaças é que até 12 de dezembro, todos os médicos deverão estar de volta à Havana.
O fato é que desde a sua eleição, em outubro, as ações anunciadas por Bolsonaro e sua equipe têm gerado polêmicas, o que reflete as divergências entre os setores da burguesia que o elegeram e as expectativas populares sobre o novo governo. Porém, nenhum episódio causou maior impacto, principalmente para a população trabalhadora, do que a saída desses oito mil profissionais da saúde. Os cubanos participavam do Programa Mais Médicos desde a sua criação, em 2013, através da Organização Pan-Americana da Saúde (OPS), sendo fundamentais para o funcionamento do Programa e, consequentemente, para o atendimento médico da população mais carente, dos rincões do País.

Essa repercussão negativa expôs uma ferida cara ao povo brasileiro, que é a ausência de médicos dispostos a atuar fora dos grandes centros urbanos e em atendimento à população mais pobre. Em mais de 1.500 municípios brasileiros só haviam médicos cubanos. Por isso, a decisão do governo cubano obrigou o ex-capitão reformado do Exército a voltar atrás em várias de suas ameaças aos médicos estrangeiros.  

Como todo bom farsante, Bolsonaro, com o apoio da imprensa corporativa, tentou colocar a culpa pelo desmanche do Programa no governo cubano cujo regime, segundo os golpistas, explora financeiramente seus médicos e não poderia ser favorecido pelo Brasil. Tais calúnias são facilmente desmentidas. Para começar: Cuba faz cooperação com 66 países em todo o globo, inclusive europeus. Ou seja, não se trata, como afirmam os mais ignorantes, de nenhum “conchavo” entre governos “comunistas”. O médico recifense, chefe de um pronto socorro do SUS, Thiago Silva, em suas redes sociais, explicou o caso. “Na maioria desses países, o governo cubano envia médicos e medicamentos de graça. Isso aconteceu em Angola, Nepal, Haiti, Congo e tantos outros países pobres do mundo. E como o governo Cubano fazia, já que é vítima de um Bloqueio Econômico há décadas (...)? Alguns países começaram a oferecer trocas pela Força de Médicos. A Venezuela ofereceu petróleo. Alguns países europeus começaram a pagar diretamente para o governo Cubano. E essa parceria virou uma fonte de renda para a Ilha, com impacto em suas contas públicas, dado o volume de médicos atuando no mundo todo (...). Cuba abre edital via uma empresa Estatal para contratar os médicos. Eles podem se oferecer ou não. As condições salariais e os países são conhecidos PREVIAMENTE por todos ANTES de assinarem contrato”.
Com relação ao pagamento dos profissionais, ele se dá através de uma empresa estatal que os contrata e são conhecidos por todos antes de assinarem o contrato. Não são os governos contratantes os responsáveis pelo salário dos cubanos, mas sim a estatal que os contratou. Ela é a responsável por lesão corporal, invalidez, seguro, assistência à família em caso de morte, etc. Além disso, a “diferença salarial” vai para financiar a Saúde e a Educação do povo cubano. Isso porque, em Cuba, a medicina não é uma profissão liberal. Os médicos cubanos são funcionários públicos e trabalham para o Estado, que é o responsável pela remuneração.

O envio de Médicos aos demais países é uma estratégia de sobrevivência do regime cubano, que consegue garantir à sua população educação e saúde públicas, gratuitas e de qualidade, mesmo com uma economia pobre e cerceada pelo embargo dos EUA. Obviamente, a ideia de se ter saúde e educação públicas de qualidade torna-se um exemplo ameaçador em um país rico em recursos naturais e com a economia forte como o Brasil, mas cujo governo pretende favorecer os interesses imperialistas das grandes corporações estrangeiras, capitaneadas pelos EUA, e privatizar todos os serviços. Isso explica os ataques ao convênio com Cuba baseados em mentiras e informações manipuladas sobre o regime cubano.

 

Temer corta 1600 médicos no programa Mais Médicos

 

O viés ideológico do rompimento do acordo entre Brasil, Organização Panamericana de Saúde (Opas) e Cuba no Programa Mais Médicos é apenas a “cortina de fumaça” para encobrir os verdadeiros objetivos, que são econômicos, dos golpistas que assaltaram o poder no Brasil. O que está em jogo é o processo acelerado de privatização da Saúde Pública em favorecimento das OS (Organizações Sociais). O Ministério da Saúde do governo Michel Temer, totalmente afinado com o governo que o substituirá, insiste em divulgar que o processo de substituição dos mais de oito mil médicos cubanos está sendo feito de forma “ágil”. Porém, o edital de abertura de inscrições para o Programa foi prorrogado até o 7 de dezembro por não ter atingido o número de inscritos suficientes para alcançar a meta.

Os números exaustivamente divulgados na imprensa nada mais são do que desespero e tentativa de acalmar a população sobre o impacto que a ausência de médicos no atendimento público causará. Isso porque o número de inscrições não significa a adesão efetiva dos médicos ao Programa. Segundo informações do Ministério da Saúde, divulgadas no dia 28 de novembro, das cerca de 8,5 mil vagas abertas com a saída dos médicos Cubanos, 8.319 (97,8%) foram preenchidas. Contudo, somente 738 profissionais, o equivalente a 8,9% desse efetivo, se apresentaram para trabalhar. Além disso, segundo a presidenta do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Piauí, Leopoldina Cipriano, quase mil municípios que ficaram sem médicos foram bloqueados e não constam na lista de opções para receber profissionais nesse novo edital. São 1600 médicos a menos no Programa. Isso indica que o Mais Médicos está em processo de desmonte. Já em São Paulo, capital, foi lançado um edital com 78 vagas para repor os 72 médicos cubanos que atuavam na cidade. O Ministério da Saúde diz que 86% das vagas foram preenchidas. Mas, mais importante que isso, é o fato de que a prefeitura de São Paulo, que antes investia aproximadamente R$ 3 mil por médico para custeio de alimentação, transporte e moradia (a bolsa de R$ 11 mil era paga pelo Governo Federal) teria uma elevação nos custos de aproximadamente R$ 20 mil, considerando que a contratação se daria por uma das Organizações Sociais de Saúde (OSs) que administram os equipamentos da área na cidade e não por concurso público. As Organizações Sociais (OSs) são entidades privadas que recebem benefícios do poder público (verbas, isenções fiscais etc.), para a realização de serviços de interesse da comunidade. No caso da Saúde, em São Paulo, por exemplo, embora as unidades permaneçam públicas e o atendimento exclusivo ao SUS, a gestão fica a cargo de OSs, grupos privados que não têm nenhum compromisso com o bem-estar da população, apenas com o lucro. Ou seja, aquilo que irá faltar nas regiões mais pobres do País, cujos municípios não têm condições de custear esse novo tipo de contratação dos médicos, sobrará nos cofres de empresas privadas que gerenciam as OSs em grandes centros como São Paulo.

Contudo, a decisão do governo cubano tende a gerar um impacto negativo entre a população brasileira mais pobre e expor, de maneira assombrosa, a elitização hipócrita da Medicina no Brasil. A privatização da Saúde Pública é um processo excludente que vai ampliar a desigualdade no acesso a esse direito básico da população. Os médicos cubanos farão falta no cotidiano da classe trabalhadora, não é à toa que o México já negocia a contratação desses profissionais. A revolta se ampliará e a saída que o novo governo promete é a repressão.

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