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Quilombo Campo Grande: resistência contra o latifúndio

O Acampamento Quilombo Campo Grande (MG), assim batizado pelos trabalhadores em homenagem a um antigo quilombo da região, é resultado do conflito e da ocupação nas terras da falida Usina Ariadnópolis, em Campo do Meio, Minas Gerais. São pelo menos 450 famílias que moraram e produzem na área há 20 anos e que, agora, enfrentam a iminência de um massacre autorizado pela Justiça burguesa, graças ao mandato de despejo concedido pelo juiz Walter Zwicker Esbaille, no último dia 7 de novembro.
Tal confronto é reflexo do aumento da investida da direita contra a população trabalhadora (da cidade e do campo). Trata-se, efetivamente, de uma política de extermínio dos trabalhadores do campo e dos movimentos sociais em favor dos latifundiários.

Uma história de lutas

A motivação de iniciar o Assentamento Quilombo Campo Grande se deu em função das grandes injustiças cometidas no processo de falência da antiga Usina Ariadnópolis. Esse foi um dos episódios mais 
vergonhoso da história do campo brasileiro. Tal falência custou aos cofres públicos, trabalhadores, bancos e outros credores uma dívida de quase R$ 400 milhões, sendo que o patrimônio da usina não chegava a R$ 80 milhões. Tratava-se, efetivamente, de uma “quadrilha de assaltantes de banco”, conforme destacou o coordenador do Movimento Sem-Terra (MST) de Minas Gerais, Silvio Neto (Silvinho).
“Motivados por essas injustiças, os trabalhadores decidiram que a forma de reaver os seus direitos era reivindicar o plantio nas terras abandonadas da antiga Usina Ariadnópolis, e assim o fizeram. Ao longo dessas duas décadas, por várias vezes, foram confrontados com violência. Foram confrontados pelo poder judiciário, na Assembleia Legislativa, nos poderes executivos, pelos governos etc. Mas a legitimidade da luta desses trabalhadores conseguiu superar essas duas décadas de conflito e os manteve vivendo com dignidade, produzindo, criando suas famílias e construindo”, relatou Silvinho. Importante destacar que a prefeitura de Campo do Meio está nas mãos do PSDB.
A disputa do Assentamento Quilombo Campo Grande não se resume apenas a uma questão jurídica, de direito ou não ao pedaço de terra em questão. Como bem colocou o coordenador do MST, “O que está colocado lá é uma disputa de modelo para o campo brasileiro, onde a dívida ultrapassa o valor do patrimônio, onde o meio-ambiente foi completamente devastado, onde não se gerava renda para o município e não se gerava emprego para ninguém. Hoje vivem na região quase duas mil pessoas, produzindo de forma saudável, gerando renda, produzindo vida e dignidade. Esse é o confronto de modelo que está sendo colocado, e é por isso que estamos sendo combatidos. Não é só por conta da questão da terra. E os trabalhadores tomaram a decisão: eles vão construir ali o seu projeto de vida pessoal, mas, principalmente, o seu projeto de vida coletivo, que é a reforma agrária popular”. 


Justiça burguesa àa serviço do latifúndio


Ao longo do conflito, alguns elementos envolvendo os trabalhadores do Acampamento Quilombo do Meio precisam ser destacados. O primeiro deles é que o governo federal, a partir do rito de desapropriação regular do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), não conseguiu solucionar o problema. Diante do impasse, o governo do estado de Minas Gerais, dirigido pelo PT, fez um decreto de desapropriação, Decreto 356 de 2015, desapropriando 3.195 hectares das terras da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA), além de colocar diversas políticas públicas e dando a posse das terras aos assentados.
Apesar da publicação oficial, as disputas envolvendo o poder judiciário impediu a concretização do Decreto. Segundo Silvinho, “essas disputas têm sido motivadas por manobras jurídicas. Eles usam diversos CNPJ, falam em nome do que não existe. Imagina que quem pede a reintegração de posse agora é empresa em reintegração pendência judicial, mas ela não existe! E ao ser confrontado com tal informação, eles dizem: ‘Mas quem pediu foi a massa falida’, mas a massa falida nem à audiência foi”. 
Outra questão que chama a atenção são as mentiras espalhadas, afirmando que não há pessoas no assentamento ou que só teria uma “mixaria” de famílias, que não há produção e, que, ao contrário, seria a empresa falida quem produz na área. Essa última afirmação é de um cinismo sem fim, pelo simples fato que a empresa sequer existe. 
Com relação ao trabalho desenvolvido pelos trabalhadores rurais, houve um grande esforço, inclusive das universidades da região, do Instituto Federal da região, da EMPAER (Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural), secretaria de desenvolvimento agrário etc. para desmentir tais acusações. Segundo o laudo elaborado pela Universidade Federal de Alfenas, o Quilombo Campo do Meio é habitado, atualmente, por 1.851 pessoas, divididas em 450 Famílias, sendo 184 famílias naturais de Campo do Meio. Ao menos 134 famílias trabalharam ou têm algum familiar direto que trabalhou na Usina falida e que até hoje não recebeu nenhuma indenização da Usina.
Não só isso. A expulsão dessas famílias acarretará na destruição de 1.200 hectares de lavoura de milho, feijão, mandioca e abóbora; 40 hectares de horta agroecológica; 520 hectares de café, além das centenas de casas, currais e quilômetros de cerca que serão derrubados.
O laudo dado pelo juiz que determinou o despejo das famílias revoltou os assentados: “Nós estamos muito curiosos para saber se ele deu esse laudo por outras questões ou se ele estava dormindo na hora que passou por lá. Porque ele passou diante das áreas produtivas das famílias, ele desceu, as crianças ofereceram frutas, ofereceram alimentos, café, ele viu o trabalho, ele pediu para que não juntassem as famílias todas para que não houvesse aglomeração de gente, e nós respeitamos isso (...). Depois disso, esse sujeito colocar no laudo que lá tem 30 famílias? Ele colocar que a empresa tá trabalhando lá? Mas, não é possível!”, indagou o coordenador do MST, Silvio Neto.

Resistir e lutar

As famílias sem-terra que ocupam as terras da Usina falida e que constituem o Acampamento Quilombo Campo Grade já deixaram muito claro que não há “saída pacífica”, uma vez que o que está sendo colocado para essas pessoas é uma violência sem tamanho, um crime. O Estado, por meio do poder judiciário, está não só autorizando, como incentivando um massacre contra essas pessoas.
São centenas de mulheres, crianças e idosos que poderão ser violentadas, torturadas e assassinadas com o aval da Justiça e o completo silêncio da imprensa burguesa. “Chamo a atenção do Estado brasileiro. Nós temos uma situação iminente de mais um massacre no campo. E queria deixar bastante claro essa situação e pedir aqui à Central Única dos Trabalhadores que nos ajude diante a qualquer tipo de violência lá. Uma das primeiras medidas que nós vamos tomar é uma ampla campanha denunciando o assassino que se chama Antônio Carlos Arantes, que está induzindo um massacre no campo. O que ele está fazendo, trazendo jagunço para dentro da Assembleia Legislativa, trazendo e destilando ódio contra os trabalhadores, isso não pode ser tolerado”.
O ataque, o extermínio dos trabalhadores rurais e dos movimentos sociais será a tônica do próximo período. Conforme destacou a direção estadual do MST: “O avanço da ultra-direita nessas eleições contra a classe trabalhadora, junto com a sanha do agronegócio, que apoiou a eleição do Bolsonaro, mostra o projeto que eles têm para o campo no Brasil. Essas ações de despejos que estão acontecendo em toda Minas Gerais vêm no sentido de criminalizar os lutadores populares e movimentos sociais. Querem acabar definitivamente com a pauta da Reforma Agrária, mas nossa história é resistir”. 
É preciso lutar e enfrentar a investida da direita, sendo a unidade na luta dos trabalhadores do campo e da cidade a única saída possível.   
 


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