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Manuela D’Ávila no Roda Vida: um ataque contra toda a esquerda

No último dia 25 de junho, a deputada estadual e pré-candidata à presidência da República, Manuela D’Ávila (PCdoB), participou de uma “entrevista” no programa Roda Viva, da TV Cultura. Tal participação gerou um intenso debate, principalmente nas redes sociais, graças ao fato de a entrevistada ter sido interrompida diversas vezes pelos entrevistadores, que mal a deixavam concluir um raciocínio.

Segundo um estudo feito pela Secretaria Nacional de Mulheres do PT (SNMPT), a entrevista, que durou 70 minutos, contou com 62 interrupções, quase que uma interpelação por minuto. Os números são bem inferiores se comparados com as entrevistas dos também pré-candidatos Guilherme Boulos (PSOL) e Ciro Gomes (PDT), que tiveram 12 e 08 interrupções ao longo da entrevista, respectivamente.

A atitude dos “entrevistadores” foi denunciada pelo machismo explícito e algumas críticas mais duras classificaram a prática como misoginia (ódio contra as mulheres). Muito mais do que “desrespeito” ou “falta de educação”, o ato de interromper uma mulher enquanto ela fala e impedi-la de concluir seu pensamento é uma forma de sexismo, chamado de “manterrupting”. Tal recurso é usado para prejudicar o raciocínio e argumentos e, assim, inferiorizar suas falas. Essa prática é frequentemente usada nos locais de trabalho para silenciar as mulheres. O manterrupting é considerado uma ferramenta de dominação e aquelas que resistem a esse controle são taxadas de “agressivas”. No caso da pré-candidata do PCdoB foi ainda pior, tratou-se, efetivamente, de uma demonstração cabal de machismo, mas com viés fascista, como uma forma de disseminar essa política.

A professora do departamento de Ciências Políticas e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais, Marlise Mattos, classificou a entrevista como "grotesca" e afirmou se tratar de um caso de "violência política sexista". Diversas figuras públicas, jornalistas, políticos e internautas manifestaram apoio a Manuela. Em seu blog, o jornalista Ricardo Kotscho classificou o episódio como um “massacre” e afirmou que não conseguiu ver o programa até o fim, tamanha a “revolta com o que estava assistindo”.

Já o colunista Maurício Stycer disse que para além da questão machista, houve intolerância por parte dos entrevistadores e denunciou a omissão, pelo programa, dos créditos dado a um dos entrevistadores, o assessor de Jair Bolsonaro, Frederico D’Ávila. Frederico foi   apresentado apenas como “diretor da Sociedade Rural Brasileira” e não como o braço direito de Bolsonaro, um típico fascista que já declarou diversas vezes o seu ódio pelas mulheres, negros e homossexuais. Tal fato já mostra o caráter da “sabatina”, que facilmente poderia ser chamada de “inquisição”. Conforme destacou o jornalista Kiko Nogueira: “Não há argumento razoável que justifique a presença de um assessor de um candidato concorrente numa bancada de ‘entrevistadores’”.

Em resposta ao atentado, um abaixo-assinado pedindo a retratação do programa com a pré-candidata foi organizado. Até o último dia 29, o documento já contava com mais de 63 mil assinaturas.

Sem dúvidas a ofensiva contra a candidata do PCdoB tem inúmeros elementos machistas e misóginos. Contudo, essa não é questão principal. Os ataques contra Manuela são, antes de tudo, uma investida contra um programa de esquerda, por mais reformista que ele possa ser. O acirramento da crise econômica e, consequentemente, da luta de classes tem promovido um avanço da ideologia da extrema-direita, como sempre acontece na história do capitalismo. Manuela D’Ávila foi atacada por ser uma mulher que defende o programa de esquerda que está sendo destruído pelo golpe de 2016. Tanto é assim que outras mulheres, de direita, já foram convidadas para o mesmo programa e não foram submetidas a tamanha perseguição, como foi o caso da presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), Carmem Lúcia. 

Não podemos deixar de frisar que a Fundação Padre Anchieta, mantedora das emissoras da TV e das rádios Cultura no estado de São Paulo, que é gerida  pelo governo do estado, vem sofrendo com a política de desmonte e privatização, inclusive com a demissão de mais de 2.500 trabalhadores, precarização das relações de trabalho, além de achatamento salarial. A diversidade da programação vem sendo reduzida, bem como a qualidade de seus conteúdos.

Com a crise capitalista que se instaurou no Brasil e no mundo, a política da direita para salvar os lucros dos grandes monopólios é a de retirar direitos dos trabalhadores. As mulheres, por constituírem mais da metade da população brasileira, estão na linha de frente desses ataques. A esquerda, por sua vez, está sendo caçada de todas as formas.

A “caça às bruxas” contra a candidata do PCdoB durante a entrevista no programa Roda Viva tem motivações políticas, não podendo ser reduzida apenas à questão de gênero, apesar de não podermos ignorar os aspectos machistas dessa empreitada. Isso inclusive foi o que esteve por trás do impeachment da presidenta eleita, Dilma Rousseff (PT) e do assassinato da vereadora do PSOL, Marielle Franco. Dilma foi retirada da presidência não apenas por ser mulher, mas por defender um programa que a direita não pode conceber nesse momento de aprofundamento da crise e de acirramento das lutas. Marielle foi executada por ser a pessoa que iria investigar os abusos e atrocidades cometidos pelos militares durante a Intervenção Militar no Rio de Janeiro, uma espécie de uma nova “Comissão da Verdade”.

As mulheres, assim como os negros e homossexuais, possuem especificidades nas suas lutas (machismo, racismo, homofobia etc.), mas a questão central sempre foi (e é) a luta de classes, a luta entre explorados e exploradores, oprimidos e opressores. Esse não foi um ataque apenas contra Manuela D’Ávila, apenas contra as mulheres ou contra o PCdoB, mas contra toda a esquerda, contra todos os trabalhadores, contra todos os oprimidos.

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